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As plantas do São João de Braga: tradições que mantêm viva a identidade bracarense

Nevoeiro soprado, verão sem mergulho adiado

As plantas do São João de Braga: tradições  que mantêm viva a identidade bracarense

Ideias

2025-06-20 às 06h00

Palmira Brandão Palmira Brandão

Em Braga, junho traz mais do que calor: traz memória, cheiro, gesto e pertença. No ar, misturam-se aromas que conhecemos de cor — o perfume doce do manjerico, o frescor da hortelã, a pungência da arruda. São mais do que simples plantas aromáticas. São, no contexto das festas de São João, fragmentos vivos da nossa história coletiva.
Celebrar o São João em Braga não é apenas dar continuidade a uma tradição secular. É, acima de tudo, reafirmar uma identidade. Esta festa é uma das mais antigas do país e carrega um simbolismo que vai além do religioso ou do lúdico. É uma manifestação da alma popular, onde o património natural e o etnográfico se entrelaçam de forma orgânica.
É por isso que as plantas usadas nestes festejos têm tanto significado. O manjerico, com as suas quadras escritas com ternura, é mais do que um ornamento romântico: é um símbolo de respeito e de delicadeza. O gesto ritual de passar a mão pelas folhas antes de o cheirar é um testemunho silencioso da forma como os nossos antepassados se relacionavam com o mundo natural — com reverência e cuidado.

Mas talvez nenhuma planta traduza tão bem o espírito do São João bracarense como o alho-porro. À primeira vista, pode parecer estranho: um legume do quotidiano elevado a protagonista de uma festa. No entanto, em Braga, o alho-porro transforma-se em instrumento de celebração e aproximação. É com ele que se saúdam amigos e desconhecidos, num toque leve nos ombros ou na cabeça, gesto tão caraterístico que se tornou marca da festividade. Esse simples contacto gera riso, cumplicidade e pertença — três ingredientes essenciais para qualquer comunidade viva.
Durante estes dias, a cidade transforma-se. As praças ganham vida, os bairros reinventam-se, as pessoas voltam a encontrar-se. Há um regresso temporário — e profundamente necessário — à vivência comunitária. Em tempos de crescente individualismo e dispersão social, o São João é um espaço de reencontro.

Mas o que torna esta festa tão única é a memória que transporta. Cada rua decorada, cada ramo de ervas aromáticas, cada melodia de bombos é um elo que nos liga ao passado. São evocações que atravessam gerações e nos fazem recordar vozes que já partiram, gestos repetidos desde a infância, histórias ouvidas à mesa de casa. A memória local vive nas pequenas coisas: na avó que ensinava a fazer manjericos com papel de seda, no avô que contava como eram os festejos “do seu tempo”, no cheiro a ervas depois da chuva. É essa herança invisível que reforça o sentimento de pertença.
Neste sentido, o São João de Braga encaixa-se com naturalidade no espírito do Ciclo Braga Memória, um projeto que convida a cidade a revisitar as suas raízes, a valorizar o quotidiano do passado e a reinterpretar tradições à luz do presente. A celebração popular, com as suas plantas simbólicas, os seus rituais e os seus afetos, é uma poderosa ferramenta de evocação — uma memória viva, em movimento.
O ciclo Braga Memória não é apenas uma agenda cultural: é um espaço de reflexão sobre o que nos moldou e o que queremos continuar a ser. E o São João, como expressão plena de identidade local, é parte essencial desse percurso.

A festa, claro, mantém a sua vertente religiosa, com procissões e missas dedicadas a São João Baptista. Mas a presença de práticas anteriores ao cristianismo — como os saltos sobre as fogueiras ou os rituais de purificação — recorda-nos que esta celebração é, sobretudo, um exemplo notável de sincretismo. Um testemunho de como culturas diferentes podem coexistir e fundir-se sem perder a sua essência.
Esse equilíbrio entre o sagrado e o profano, o antigo e o contemporâneo, é uma das maiores riquezas do São João de Braga. E é isso que o torna tão autêntico. Num momento em que muitas festas populares correm o risco de se tornarem eventos turísticos despersonalizados, Braga tem conseguido preservar a alma do seu São João. Talvez por isso valha a pena lançar o debate: não seria justo propor esta celebração como Património Cultural Imaterial da Humanidade?

Mais do que um evento anual, o São João é um repositório vivo da nossa história local. Ao cuidarmos dos seus símbolos — como o manjerico, o alho-porro, os rituais e os gestos — estamos a afirmar que a cultura popular tem valor. Que a identidade não se mede apenas em monumentos de pedra, mas também em gestos repetidos ao longo dos séculos, passados de geração em geração.
Na verdade, é nesses detalhes — numa quadra popular colada a um vaso, num ramo oferecido com carinho, num toque bem-humorado com um alho-porro — que mora a nossa verdadeira identidade. E ao olharmos para essas plantas que contam histórias, percebemos que celebrar o São João é, antes de mais, celebrar quem somos. Porque a história local não está apenas nos arquivos — está nas mãos que colhem, nos rituais que persistem, nas vozes que partilham saberes.
O ciclo Braga Memória lembra-nos precisamente isso: que o presente ganha sentido quando escutamos o passado. E poucas celebrações o fazem tão bem como o São João de Braga.

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