Os bobos
Voz às Escolas
2013-03-07 às 06h00
Não é a primeira vez que refletimos sobre a centralidade que a análise quantitativa e de tempo breve adquiriu nestas circunstâncias neopositivistas que o século XXI recuperou. Temos, nomeadamente, salientado a pertinência dos números nas tentativas de explicação da realidade que nos rodeia. Reconhecemos a sua eficácia no tratamento de alguns dados, fazendo realçar evidências que, de outra forma, permaneceriam escondidas.
Contudo, há sempre aquela tentação de acreditarmos piamente que um ou outro instrumento poderão ser suficientes para explicarmos o mundo em que vivemos. Sobretudo se predominar aquele espírito, alimentado pela ignorância, de que estes instrumentos são algo mais do que a própria mente humana possa elaborar, tornando-se independentes do seus criadores, logo resistentes ao tempo e às limitações dos seus autores. Na realidade, esta ideia peregrina, que eu francamente pensava que o século XX tinha condenado ao uso exclusivo da «mesa de café» (perdoem-me os doutos pensadores que sobre essas mesmas mesas garantiram à humanidade grandes conquistas), encontra-se agora recuperada e renovada.
Assim, parece que estamos condenados ao domínio das infindáveis análises estatísticas, crentes de que os números conhecem as pessoas, crentes de que as previsões, só por utilizarem linguagem matemática, trabalham com dados de futuro, crentes de que há ciências do «passado» e ciências do «futuro», ciências «melhores» e ciências «piores», saberes «relevantes» ou saberes «inúteis».
Aliás, essa coisa do passado e do futuro sempre me confundiu. Sempre estranhei aquela ideia de que a História estaria confinada ao passado e que, por exemplo, todas as outras ciências, por óbvia contraposição, fossem ciências do presente ou do futuro. Mas hoje, o que nos anima não se centra nestas «minudências», centra-se no discurso das «inutilidades» que ousa emergir em diferentes cenários e contextos.
Mas de que «inutilidades» estamos a falar? Dos historiadores ou professores de História, irrelevantes para a economia nacional, tal como Camilo Lourenço explicou? Dos filósofos que teimam em pôr toda a gente a interrogar-se e a pensar? Das artes que constroem um outro olhar sobre o mundo que nos rodeia? Da sábia Literatura que tantas gerações ilumina ou iluminou? Da cultura que sustenta o nosso sentido de existir? E a Educação, essa será verdadeiramente inútil?
De quantos saberes estamos dispostos a abdicar para que as contas se acertem?
De quanto futuro, verdadeiramente, estamos dispostos a prescindir para que a realidade se submeta aos números que alguns insistem em validar?
Quantas certezas hoje proclamadas vão depois engrossar as fileiras da inutilidade?
Será ignorância? Será estratégia?
Caro Camilo, nós, os «inúteis» professores de História, ao lado de tantos outros «inúteis», não estamos dispostos a ficar no silêncio para que as contas se acertem e, com a mais profunda das humildades, não prescindimos dos saberes de que somos portadores, das dúvidas e perguntas que, ainda com muita esperança, acreditamos que a Escola nos possa ajudar a construir.
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