Recordando o 75.º Aniversário do Escutismo nos Açores
Ideias
2011-02-28 às 06h00
No imaginário das pessoas é frequente associarem-se determina-das crises pessoais a espíritos de pessoas que, pelo facto de não “aceitarem a morte”, pela “procura de justiça” ou por ainda “não estarem preparadas para morrer”, não se desligaram deste mundo e vagueiam por alguns locais que lhes estão associados em tempo de vida.
Em Braga, não faltam exemplos destas situações, denominadas pelas pessoas como “almas penadas”. Contudo, o exemplo que aqui quero apresentar ocorreu em Setembro de 1927, no então Bairro dos Pelames, quando foram aparecendo umas “almas penadas” a alguns habitantes desta zona.
O jornal ‘Correio do Minho’, do dia 27 de Setembro de 1927, dava conta desta situação, afirmando que o “bairro dos Pelames e suas redondezas anda verdadeiramente alarmado com as suas almas penadas que por ali vagueiam”.
Este jornal contou que no dia 25 de Setembro uma “costureirita”, residente nesse bairro, andava assustadíssima com o aparecimento destas “almas penadas”. Em pânico, entrou em “êxtase” e começou a falar com essas “entidades”, de forma tão convincente, como se as estivesse a ver.
Os seus vizinhos, incluindo os que moravam no mesmo prédio, ficaram tão assustados, que desataram a correr dali. A salvação para a costureira foi a “D. Maria”, uma vidente sempre pronta a socorrer as pessoas afectadas por este “mal”.
A acção desta vidente foi simples mas corajosa: resolveu “cortar o ar” e recitar, imediatamente, a “oração de S. Cipriano contra os maus olhados”. Quando a rapariga “voltou a si”, contou toda a conversa que tivera com as “almas penadas”, o que chocou todos os que ali se encontravam.
Uma das habitantes deste prédio, conhecida pela “caseira da Pataina”, que também tinha em casa almas penadas, mal ouviu a história da costureirinha ficou “muito amarela, olhos em branco, espuma na boca e foi de ventas à torneira” para se acalmar. O que valeu à “caseira da Pataina” foi novamente a experiente D. Maria, que lhe aplicou a mesma receita que tinha aplicado à costureirita.
Uma vez que muitas pessoas duvidavam da existência destas “almas penadas”, o jornal “Correio do Minho” resolveu esclarecer tudo isto, partindo para uma profunda investigação. Começou, então, por ouvir uma das pessoas mais experientes do bairro, uma “pessoa de qualidade” que esclarecesse ou confirmasse esta situação. E ouviram essa “pessoa de qualidade” dizer, claramente, que “as almas penadas andam cá pelo bairro”.
O jornalista ainda duvidou e voltou a questionar a “pessoa de qualidade”, dizendo: “Mas você fala a sério? - É o que lhe digo, e se não acredita em mim vá-se embora…”, respondeu-lhe.
Havendo a necessidade de mais esclarecimentos, a “pessoa de qualidade” referiu que, antes da “Pataina fazer as obras na casa, morava lá uma família que tinha uma filha, bem interessante por sinal, e já as almas penadas se metiam com a rapariga”. Contou que a rapariga, que nunca tinha estudado música, em certos momentos, resolvia tocar e cantar de uma forma brilhante. Mas, de seguida, enveredava por um choro compulsivo, “expolinhava-se no chão e pedia que lh’as agarrassem”, referindo-se às pernas.
A “pessoa de qualidade” do jornalista afirmou ainda que nada tinha a ver com estas almas que apareciam, uma vez que se preocupava mais com as questões científicas. Esse conhecimento vinha de uma sessão de espiritismo, que frequentara com o seu amigo “o Jaime dos Ossos”, e nessa sessão tinha ouvido tudo o que as “alma penadas” dizem! E ficou a saber que uma das almas que aparece no bairro dos Pelames é a de um antigo servo de Santa Justa, que “anda a penar por só ter tomado uma única borracheira neste mundo e a outra é a do corpo aberto, que morou por ali perto, e que anda a penar por causa de uma praga que lhe rogou a D. Maria”.
No dia 20 de Setembro de 1927 o ‘Correio do Minho’ conseguiu uma entrevista com a vidente D. Maria, entrevista que só foi possível graças a uma recomendação, através de carta, de uma cliente bastante considerada pela vidente.
A sala de trabalho da D. Maria era pequena, modesta, mas tinha uns “pequeninos nadas que fazem adivinhar a mão da mulher que lê o futuro”. No meio da sala existia uma “mesa pé-de-galo” onde estavam coloca-das as 40 cartas abençoadas por S. Cipriano.
O jornalista, “para testar” a vidente, disse que o que o trazia ali era uma mulher, por quem ele andava perdido de amores. Referiu que ela tinha 30 anos, era vesga mas possuidora de uma grande herança deixada por um irmão recentemente falecido. Perante estes dados, a D. Maria logo respondeu: “percebo, percebo, um encosto para a velhice…”, é o que o senhor anda à procura!
O jornalista deslocou-se então para a mesa, onde a D. Maria explicou que “quadra d’oiros… valete d’oiros… dama d’oiros… az de espadas… “ significa homem de sorte. E explicou: “quadra d’oiros”, casamento pela certa; “valete de oiro”, homem que persegue a jovem; “dama”, é a jovem que está atenta a si; e “az de espadas” quer dizer que tem o coração do amor atravessado pela espada.
No final, a vidente apresentou a conta: “50 escudos pela mo-derna; no meu tempo de crean-ça, 50 mil réis”!
O jornalista pagou esta quantia e insistiu: posso confiar nas suas afirmações? Ao que D. Maria respondeu: “é como se estivesse já a administrar os bens do casal”!
O Bairro dos Pelames estava de facto envolvido em espíritos, em maus-olhados, em bruxedos e em “almas penadas”, que só desapareciam quando eram consultadas a vidente D. Maria e pela “Freirinha” (uma autentica santinha). Ambas competiam entre si pelo domínio do sobrenatural e, principalmente, pelo dinheiro que os seus clientes deixavam nas suas caixas.
06 Outubro 2024
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