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Aprender a ler e ler para aprender

A responsabilidade de todos

Aprender a ler e ler para aprender

Voz aos Escritores

2019-10-04 às 06h00

Fernanda Santos Fernanda Santos

[…] deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei de inventar
um verso que vos faça justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
[…] Mia Couto, no livro “Raiz de Orvalho”

Regresso ao tema “Educação” na crónica de outubro. Há sempre uma boa razão. Sendo outubro o mês das bibliotecas, é fundamental que se avive aqui o ato de aprender a ler e ler para aprender como processos indissociáveis da ideia de educação. Para tal, é necessário que na escola se leia de todas as maneiras e em qualquer lugar. Sabemos que é com a leitura que se aprende a manejar a informação de forma ética e crítica, a estruturar o conhecimento, a melhorar a aprendizagem e a aumentar o sucesso educativo. O tempo em que o professor está em contacto com as crianças dentro da escola é muito valioso. Durante esse tempo, ele deve propor situações para que estas possam tornar-se apaixonadas pela leitura, pois a aquisição de hábitos de leitura e do prazer de ler exige uma prática regular da leitura, o envolvimento emocional e a motivação pessoal dos leitores através de um exercício livre e voluntário. O acesso facilitado a um espaço de liberdade, de leitura independente, de iniciativas diversificadas e formando leitores para a vida. Para isso acontecer, é preciso que a criança vá à escola, pois o “ir à escola” é um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Acontece, porém, que os dados publicados pela ONU, em 2018, dão-nos conta de que um sexto das crianças e adolescentes dois 6 aos 17 anos em todo o mundo não frequentam a escola. Também a UNESCO estima que «12 milhões de crianças» «nunca verão o interior de uma sala de aula», possivelmente. Está posto em causa, segundo a organização, um dos objetivos de desenvolvimento sustentável que a comunidade internacional acordou concretizar até 2030: uma educação inclusiva e de qualidade disponível para todos.
Se a criança não vai à escola, não aprende a ler; se não aprende a ler, não lê para aprender o mundo em que vive. Lembremos os autores conhecidos em todo o mundo, como Esopo, cujas fábulas são tão antigas como o tempo, sendo determinantes na aquisição e desenvolvimento de literacias. Estas histórias trazem até nós a riqueza dos ensinamentos de várias gerações, tal como podemos verificar nos contos de Grimm ou Perrault. As histórias de fadas encantam, comovem e educam indiretamente. Tal como ontem, ainda hoje podem ser consideradas verdadeiras obras de arte, lembrando sempre que seus enredos falam de emoções comuns a todos nós, como: inveja, medo, ódio, ciúme, ambição, rejeição e deceção, que só podem ser compreendidos e vivenciados pela criança através das emoções e da fantasia. Os contos de fadas servem como instrumentos para a descoberta desses sentimentos dentro da criança e, muitas vezes, de adultos, pois são capazes de nos envolver na sua teia, de nos excitar a mente e de nos comover.
É de referir que, apesar de ser na Idade Média que a palavra fada passa a designar um ser imaginário do sexo feminino, a quem se atribui o poder mágico de influir no destino das pessoas, conforme o seu comportamento no quotidiano dos dias, hoje são as crianças do género feminino as maiores vítimas de discriminação. A Lusa cita a directora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, que afirma que “as meninas continuam a ser vítimas dos maiores obstáculos» e que dos doze milhões de crianças que se prevê jamais virem a frequentar uma escola, nove milhões são do género feminino. A este respeito, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Educação sobre igualdade de género, destaca a importância da educação e da escola para uma mudança urgente, pois os dados são estarrecedores, como o de que uma menina com menos de treze anos é estuprada a cada quatro horas no Brasil.
Torna-se, deste modo, imperioso que as crianças de todo o mundo possam ir à escola e nós possamos escrever sobre a normalidade do seu regresso à escola todos os inícios de ano letivo. Enquanto isso não acontece, vemos, pelo mundo, uma imagem bem diferente daquelas que costumamos ver no dia de regresso às aulas no nosso país. No Iémen, por exemplo, numa sala de aula destruída e exposta, várias crianças estão sentadas a ouvir o seu professor. A fotografia captada pelo fotógrafo Ahmed Al-Basha mostra o contraponto entre a calma de uma aula a decorrer e o cenário de caos e de destruição provocado por uma guerra civil que já leva quatro anos. As Nações Unidas realçam que o Iémen enfrenta uma das piores crises humanitárias da história e as crianças são as principais vítimas do conflito.
E porque os contos de fadas abordam conteúdos de sabedoria popular da condição humana e são perpetuados até aos dias atuais, tornam-se tão importantes para as crianças em idade escolar. É que para aproximar o aluno da leitura, é necessário que o educador atribua à educação literária uma finalidade agradável e não apenas o cumprimento das obrigações da escola, pois só assim será possível formar leitores para a vida toda. Contudo, para que este desígnio seja realizado, será preciso que todas as crianças possam aprender a ler e ler para aprender, partindo da premissa de que ler é uma descoberta na infância, uma aventura na adolescência e sabedoria e experiência na vida adulta.

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