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Ano novo: emoções fortes: porque o professor (não) é amigo dos seus alunos

Os bobos

Ano novo: emoções fortes: porque o professor (não) é amigo dos seus alunos

Escreve quem sabe

2019-01-29 às 06h00

Cristina Palhares Cristina Palhares

Ano Novo, Vida Nova assim nos vai dizendo o ditado. Ano Novo, Emoções Novas, (des)dizendo o mesmo ditado. Decorria o ano de 2014, aproximava-se o ano de 2015, neste mesmo espaço, este mesmo texto. Porque no espaço que mediou a primeira vez que o escrevi e os dias de hoje continuamos a ouvir o mesmo. Diz um professor para outro: “Eu sou muito amigo dos meus alunos”. Diz uma mãe para outra: “Eu sou a melhor amiga da minha filha”. Estas são duas das expressões que nos habituamos a escutar no nosso quotidiano, sem, contudo, aferirmos muitas vezes o seu sentido. Recordo-me, por isso, das palavras de Francesco Alberoni que, num dos seus livros mais célebres, define a amizade como um encontro entre iguais. “Eles poderão ser amigos se se encontrarem apenas como dois soberanos independentes, de igual poder e dignidade semelhante”.

Transpondo estas palavras para a relação pai-filho ou professor-aluno encontramos algumas evidências que, por vezes, se torna imperativo constatar e refletir. Os nossos alunos ou os nossos filhos não são soberanos independentes, não têm igual poder e têm uma dignidade diferente. Os alunos precisam de professores na admiração, no reconhecimento da autoridade, na correspondência escolar, na exigência, na alegria de se superarem, no alcançar de expetativas. Os filhos precisam de pais, na admiração também, no reconhecimento da autoridade, na exigência… e, sobretudo, no amor. E o amor, podemos dizê-lo, não é compatível com a amizade. Noutro dos seus livros, o mesmo Francesco Alberoni, empreende a tentativa de separar eficazmente estes dois sentimentos. Por isso mesmo é importante percebermos que os nossos filhos não são como os nossos amigos. São amores. Por isso mesmo a nossa relação com os nossos filhos não pode reger-se pelos mesmos padrões pelos quais regemos as nossas relações de amizade. Da mesma forma, a relação professor-aluno não pode ser definida pelo critério da amizade ou do amor. Diz-nos Alberoni que “na amizade não há lugar para a superioridade e para o poder.”

E superioridade e poder são exatamente as dimensões em que os nossos alunos e filhos mais precisam de nós. Precisam dos nossos “nãos”, precisam das nossas exigências, precisam da nossa avaliação, precisam da nossa autoridade. Não se trata de autoritarismo, mas de firmeza, de coerência, de consistência. Ao sermos amigos dos nossos alunos e filhos estamos a privá-los do desenvolvimento da maior capacidade para a aprendizagem: a do espanto! O espanto aristoteliano de que não me canso de refletir. O espanto que se desenvolve quando há uma relação superior, quando o “mestre rebouliano” (cf. Olivier Reboul) leva os seus alunos ao desenvolvimento do pensamento, à aprendizagem da matemática da emoção, ao crescimento da transparência (sendo fiéis à sua consciência), à preparação para a vida. Como ser então um bom professor e bom pai/mãe dos nossos alunos e filhos? Tornando-nos bons gestores: bons gestores de emoções e de comportamentos. E a gestão, essa sim, obedece a regras muito precisas, a cálculos, a objetivos, a conhecimento, a transmissão, a vivência. Para chegarmos ao mestre rebouliano, a gestão da sala de aula, a gestão dos comportamentos e das emoções dos nossos alunos e filhos, carece de autoridade e não de amizade. Quantos professores se sentem hoje deprimidos, com reacções de pânico e doenças físicas? Quantos pais se sentem inseguros e confusos por não saberem como agir diante dos seus filhos? Como diz Cury, “no passado, um olhar do professor ou pai causava impacto nos nossos alunos e filhos. Atualmente, nem os gritos causam qualquer reação”.

Perdemos a nossa capacidade de gestão. Numa análise do fenómeno educacional mundial muitos estudos apontam o aumento da velocidade do pensamento como o grande gerador de ansiedade, inquietação e insatisfação. Nunca antes, em toda a história educacional os nossos alunos e filhos apresentaram tantos problemas emocionais como agora. Falta-nos então desenvolver estratégias de gestão emocional e comportamental. E estas estratégias foram confundidas, nos últimos anos, com a essência da amizade. Tornamo-nos amigos dos nossos alunos e filhos na esperança de lhes minorar o sofrimento que a ansiedade transporta. A amizade não transforma, não tenta mudar, não educa, não exige, não julga… apenas existe. Que me perdoem os meus filhos: “Não sou vossa amiga, não! Amo-vos!”.

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