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Amarelos há muitos...

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Ideias

2018-12-14 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Dezembro, 8, na embocadura da Rue de Turenne com a Rue de Saint-Antoine, na passagem do terceiro para o quarto bairro parisiense, um grupo de maduros gaitava com quantas cornetas tinha, proporcionando passos de valsa aos contestatários. Tudo muito afinado. Tudo gilets jaunes de cara descoberta, diante de cordão policial. Longe dos Campos Elísios, ali, a barreira do corpo de intervenção impedia o acesso à Praça da Bastilha, local sobejamente emblemático para que governo, ainda que pífio, se dê ao desleixo de permitir que um grupo de manifestantes solte de novo o génio do tomba regimes.
A mesma pandega e do-ré-mi em várias frentes. Manifestantes com trombones e trompetes, e demais primos do naipe de metais. Manifestantes sem fisgas ou martelos, sem pés de cabra ou que mais pudesse prestar-se ao acto revolucionário de estroncar portas e quebrar montras. Flautistas de rua, trocando por boas as notas esganiçadas de executivo medíocre, as suas por as de um governo de batuta bífida, como língua de serpe. Indivíduos que se descobrem milhares. A praça acabará por ser ocupada.
Não advogo o unanimismo. Longe de mim, também, a ingenuidade de esperar que os comentadores sejam isentos. Sei que somos sempre parciais, e escrevem, uns, desarmando os comentários de outros. Ora, li e ouvi opiniões que apoucavam os gilets jaunes – que nem para os pés do Maio de 68, e lá vinha a comparação de palavras de ordem, carregadas as de filosofia (as de então) e prosaicas, utilitárias, as de hoje. E o horror das pilhagens, das viaturas incendiadas! E que seriam fascistas, ou lá próximos, os grupúsculos que deixavam a bela Paris em cacos. Li e ouvi resgates in extremis de Macron e do liberalismo corrente, como se só eles fizessem frente à barbárie. Como se o macronismo não integrasse a barbárie.
Santo Deus! Se não temos filosofia nas reivindicações, hoje, é porque estamos bem mais encravados que nos anos sessenta. Se um ministro apelida os «quebra-montras» de fachos, e arregimentados da Le Pen, isso só faz do ministro um mentiroso. Alguma da mocidade que cruza Paris de coletinho amarelo é bem conhecida das forças de ordem, e sabe-se que nada têm a ver com a direita. Nem com a esquerda, se calhar. No entanto, há mais esquerda por lá, do que aquela que a esquerda responsável gostaria. Os «casseurs», os «zadistas», os activistas das «nuit debut», são gentes de esquerda, essencialmente, são descontentes de esquerda, são esquerdistas que não se revêem em nenhuma esquerda orgânica.
Aliás, à força de ter perdido pensamento de esquerda, a França vê direita em tudo quanto é lado. A França de hoje não tem um pensador ou escritor de esquerda que possa apresentar ao mundo. Salva-se Mélenchon, como aqui tenho referido, vez por outra, mas uma andorinha não faz a Primavera.
Vi o que se passou em França, e o que pode vir a passar-se em qualquer outro lado, entre nós, inclusive. As pilhagens não relevam da genuinidade da contestação. Correm em paralelo, por vazio de ordem. Atrevo-me a dizer, até, que pudessem ter sido toleradas, para que melhor se diabolizasse uma contestação desagradável ao governo.
Talvez entre nós se organize alguma coisa, talvez se arranjem umas quantas pessoas que, à míngua de bilhete para a tourada, se resolvam por umas gracinhas numa praça qualquer. E talvez se chegue à conclusão de que se trata de gentinha infrequentável de direita. O drama é que a nossa esquerda anda muito comprometida. Viram no «não a Passos» um «sim a Costa». Um sim de vergar espinha. E a vida não está melhor. Que o digam os sem barco da margem sul. Por eles visto o meu colete.

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