A responsabilidade de todos
Escreve quem sabe
2022-05-16 às 06h00
De tal forma o mundo anda baralhado, sobretudo o dito “nosso mundo” ocidental, liberal e democrático, assolapado no tempo e no espaço na procura de resposta a uma guerra incompreensível, a uma reconfiguração da distribuição energética condicionada por dependências não tão saudáveis quanto há muito pouco tempo aparentavam, a uma inflação que surpreende e desperta fantasmas julgados adormecidos (de tal forma profundamente que não há memória hoje de um quotidiano tão dinâmico de variação de preços), a um pulsar extremista que tanto nos leva a proteger os valores civilizacionais fundamentais – como a liberdade em todo o seu esplendor – como a temer pelo avançar aparentemente sem retorno de visões comunitárias e políticas (no seu conceito holístico) acantonadas à simplicidade interpretativa e imediata da realidade, entre outras. De tal forma anda o mundo que determinados assuntos parecem secundários, ora por inócua importância, traduzindo um impacto e repercussão na nossa vida que não justificam qualquer desvio actual da nossa atenção. Todavia, e sem desvalorizar a realidade global que o mundo vive, persiste – porventura ainda de forma mais forte e expressiva – a necessidade de olhar para tudo o que influencia a nossa vida e, no limite, a qualidade do nosso planeta, medindo e ponderando tudo o que vamos construíndo e transformando para a boa resposta às nossas necessidades, para o bom equilíbrio natural e cultural desta imensa realidade física que habituamos chamada terra.
Porque assim é, e porque o tema da mobilidade (e deslocações, seu modo e natureza) e a dicotiomia rodovia | ferrovia, comboio | automóvel se revelam impactantes para a nossa qualidade de vida e, num momento mais abrangente, para a qualidade do próprio planeta, importa continuar a reflectir no tema, abordando o mesmo em função dos parâmetros que, no último texto, foram listados, a saber (sem ordem hierárquica): (1) conforto, (2) consumo energético, (3) ambiente, (4) ocupação física do solo, (5) ordenamento do território, (6) segurança, (7) emprego, (8) capacidade de carga (transporte). E devemos atender e reflectir sobre estes factores de avaliação e esta dicotomia global de formas e meios de transporte, não no sentido da descrição detalhada e visível das características de cada um, antes numa relação comparada entre os dois, confrontando os mesmos de forma simples e directa, permitindo conclusões tão seguras quanto tributárias de um “futuro melhor”.
Assim, julga-se poder afirmar que a rodovia e o automóvel são geradores de um conforto individual que, tantas vezes, se traduz num dispêndio de tempo em condução sem reflexo no aproveitamento da paisagem, na rentabilização do tempo para pensamento, leitura e trabalho (quando assim for, inevitavelmente, a segurança estará gravemente prejudicada).
É um transporte de cariz individualista que multiplica indeterminadamente o consumo de combustíveis fósseis, gerando uma favcilidade de movimentos e um “empoderamento” que permite uma distribuição edificatória pelo território alargada e difusa, contrária à aglomeração e à concentração. Consumindo solo e energia, facilita movimento e chegada ao emprego, sem evitar custos e despesas que, tantas vezes, oneram salários baixos e parcos.
A ferrovia e o comboio configuram uma solução diversa e divergente, outras tantas vezes, oposta, conformando-se como uma realidade que agrupa um número de pessoas incomensuravelmente maior, permitindo uma diversidade de apropriação temporal da viagem – para trabalho, leitura, conversa, … - assinalável. Potencia e suporta diferentes fontes energéticas e não significa dispersão construtiva da escala e significado da rodovia e do automóvel (já que, ao contrário destes, que vão atrás e a reboque da construção, a ferrovia e o comboio agregam e atraem, ajudando a aglomerar e concentrar). Transporte seguro, o comboio permite movimento de carga que longe está do carácter predador de solo e estrada que o trânsito rodoviário pesado implica. Ou seja, e sem prejuízo de se poder continuar nesta comparação, resulta claro que a ferrovia e o comboi traduzem-se em mais valia, dir-se-á, muito superiores ao automóvel e rodovia. E porque assim é (e será), torna-se natural que todos, sobretudo aqueles que gerem o território e nos governam, também persigam esta solução como prioridade, preferindo a ferrovia e preterindo a rodovia, favorecendo o comboio em detrimento do automóvel. E, porque assim é, ninguém estranha o discurso. Pelo contrário! O que se lamenta e estranha é o desfasamento entre o discurso e a acção, ou dito doutra forma, entre a palavra dita, o acto praticado e o resultado alcançado. Porque, na realidade, a distância e o afastamento entre ambos é grande, demasiado grande para não nos interrogarmos sobre a valia e a assertividade das acções assumidas e realizadas, sobre o que está a ser feito, com que prioridade e credibilidade, com que assertividade e tempo de execução.
Há muito que é convicção do desfasamento por demais evidente entre a palavra, o acto e o resultado. E preocupação desmesurada em anunciar sem repercussão com tal intensidade na realidade, na vida de todos. Há muito que sabemos de tal, teme-se é que não nos apercebamos que esse desfasamento cresce, não tanto pela completa inacção ou ausência, mas sobretudo pela ineficácia… Afinal, a predacção e consumo de solo da rodovia (por mais pequena que seja) parece sempre ser maior do que o investimento (por muito grande que aparente e seja) na ferrovia. Na verdade, ouvimos vezes sem conta “já vamos aqui”. Mudando uma única palavra, talvez alcancemos retrato da realidade mais fiel e verdadeiro: “ainda vamos aqui”. Enquanto isso, a rodovia e o automóvel há muito partiram. E já vão longe, muito longe…
19 Março 2024
18 Março 2024
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