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Afinal, para que serve a Filosofia?

‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações

Afinal, para que serve a Filosofia?

Escreve quem sabe

2023-11-16 às 06h00

José Augusto Lopes Ribeiro José Augusto Lopes Ribeiro

Desde a sua origem, a Filosofia tem sido obrigada a justificar-se e o filósofo é considerado como alguém que pertence a uma tribo estranha. O filósofo é encarado como aquele que vive alheado do mundo, a sua maneira de viver será sempre a “vida de um estrangeiro”, como referiu Aristóteles. Os seus interesses são aparentemente inúteis e, muitas das vezes, ridicularizados, tal como aconteceu com o primeiro filósofo, Tales de Mileto, quando este caiu a um poço enquanto observava os astros e foi alvo de troça por parte da sua escrava, que declarou que este estava curioso pelas coisas do céu, mas não tinha cuidado com o chão que pisava.
É, pois, exigido a este amor pela sabedoria que apresente resultados práticos, que explique a sua utilidade. Contudo, ninguém parece estar disposto a interpretar o amor ou a amizade de forma utilitária. Isso seria uma visão interesseira, funcional e, portanto, um meio utilizado para alcançar um outro fim. O amor e a amizade têm valor em si mesmos, de forma incondicional, e, neste sentido, revelam a sua importância e a sua excecionalidade.
Enquanto seres pensantes não podemos esquecer a importância do pensamento e das ideias, apesar de se tratar de um domínio invisível e, neste sentido, fora do mundo. Daí que as objeções à Filosofia não tenham em conta a importância do pensamento e a necessidade de pensar. Ou então, como explica Heidegger, encaram o pensamento apenas na sua dimensão de cálculo e de planeamento, e não percebem que existe um tipo especial de pensamento. Trata-se do pensamento que é reflexão e que medita, aquele tipo de pensamento que nos obriga a parar, a afastar do mundo, para nos interrogarmos sobre o sentido e para buscar a compreensão das coisas, dos outros e de nós próprios. Por isso, exige um grande esforço, requer treino e é demorado.
Contudo, a vida atual é uma vida à deriva, acelerada, fragmentada e desorientada e, como explica Heidegger, “ficamos sem-pensamentos com demasiada facilidade”. Para este filósofo, “a ausência-de-pensamentos é um hóspede sinistro que, no mundo atual, entra e sai em toda a parte. Pois, hoje toma-se conhecimento de tudo pelo caminho mais rápido e mais económico e, no mesmo instante e com a mesma rapidez, tudo se esquece”. O homem atual está em fuga do pensamento, reduzimos tudo ao planeamento e ao cálculo, à organização e à automatização, temos uma visão utilitarista, as próprias relações são agora substituídas por transações e, fascinados pelas novas tecnologias, vivemos numa jaula digital.
O Homem Novo deve saber prosperar neste Admirável Mundo Novo, em condições sociais instáveis, fragmentárias e precárias. Assim, a humanidade da pessoa torna-se obsoleta, o que conta é o seu rendimento e a sua eficácia. Por este prisma, o sistema educativo deve preparar jovens instruídos e obedientes, capazes de funcionar com proveito e eficácia perante as imposições da máquina económica. Atualmente a questão é: como tornar-se importante e útil aos olhos dos outros? Também o ser humano passa a ser avaliado segundo a sua utilidade, e não mediante a sua humanidade e dignidade. Ao reduzir a visão do mundo apenas à utilidade e à eficácia estamos - de modo superficial e indiferente – a condenar o homem à sua própria obsolescência. Deste modo, somos devorados por um consumismo que nos remete para o estatuto de coisas, somos apenas um meio para um fim, e podemos ser transacionados segundo um valor de troca.
Neste sentido, os indivíduos tomam parte ativa no seu conformismo e na sua passividade, a moderna política económica empurra-nos para uma democracia que se articula como padrão de consumo, com a consequente perda de confiança e perda da capacidade de reação. Assim, vivemos numa insegurança e ansiedade permanentes, o pensamento é asfixiado. Não estamos preparados para esta metamorfose do mundo, esquecemo-nos de refletir, esquecemo-nos de perguntar.
Epicteto declarou que “a origem da Filosofia é a tomada de consciência da nossa fraqueza e impotência”. De que me posso socorrer na minha impotência? O importante é manter desperto o meu pensamento, a minha reflexão. O sentido do filosofar consiste na conquista da realidade em que nos encontramos, na busca do sentido, daí que as interrogações sejam mais importantes do que as respostas. Porque é que pensamos? Porque é que vivemos? O que nos faz pensar? O que significa existir?
A Filosofia continua a ser vista como uma atividade perigosa e sem proveito, mas já nos interrogamos sobre os perigos de não pensar? Os atenienses que condenaram Sócrates disseram-lhe que o pensar era subversivo, que o “vento do pensamento” trazia desordem e confundia os cidadãos. Contudo, para Sócrates pensar desperta-nos do sono, da apatia, do conformismo, e isso é um grande bem. Pelo pensamento que medita, conseguimos examinar a nossa vida e, mediante a conversação silenciosa, o indivíduo busca o autoconhecimento. Para Hannah Arendt, “a manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a capacidade de distinguir o bem do mal, o belo do feio”.
A tarefa da Filosofia não é, pois, produzir conhecimento, mas antes colocar em marcha o pensamento vivo e a problematização, de maneira a possibilitar a reflexão sobre aquilo que nos rodeia. O ataque à Filosofia como supérflua e prejudicial é um ataque ao pensamento enquanto reflexão, e à essência do próprio homem. “É pela Filosofia que o homem se torna autenticamente no que é e participa na realidade”, como explica Karl Jaspers.

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