Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2019-10-28 às 06h00
O dia nascera cinzento e a Olívia andava angustiada. Ligou-me pela manhã, apreensiva, ligeiramente desanimada com o seu novo negócio de produtos e acessórios de luxo. Desabafava-me estar a praticar preços bem mais altos do que a sua concorrência, em todos os seus canais de venda. Não percebia a verdadeira razão para tamanha discrepância de valores, porque as suas margens já eram diminutas. Fui ao seu encontro. Enquanto tomávamos um café, fizemos algumas pesquisas. Descobrimos alguns sítios em linha claramente fidedignos e outros que nos suscitavam imensas dúvidas. Pedi-lhe que me explicasse o seu modelo de negócio, focando-me nos processos de pré-seleção dos seus fornecedores e de compra.
Dado o teor dos produtos, perguntei-lhe de que forma assegurava que os seus não eram falsos ou contrafeitos, ou que tipo de controlo fazia quando do recebimento da mercadoria. Remeteu-me para o seu armazém, onde me apresentou uma das últimas aquisições: uma mala de marca bastante conceituada. Mostrou-me o preço. Franzi o sobrolho e continuei expectante. Deu-me, de seguida, uma lição sobre como verificar a autenticidade daquele produto. Aprendi os requisitos essenciais da autenticidade. Confirmei a precisão linear das costuras e dos seus espaçamentos curtos; os botões meticulosamente colocados sobre os filamentos dos tecidos; os acabamentos de dourado espelhado nos zíperes; a perfeita harmonia na disposição do logótipo; e, por fim, o código de série.
Relembrei velhos momentos de família em que recebia do meu pai lições sobre viciação e falsificação de moedas portuguesas. Recordo conversas de foro numismático sobre escudos de datas diversas transformados em escudos de trinta e cinco, sobre pormenores dos 50 centavos de 1925, do bico do pé da senhora sobre o I de SIMÕES e a milimétrica distância do 5 ao S. Penso também nos acontecimentos recentes relacionados com vinhos exclusiva e genuinamente portugueses, dos puros néctares da Herdade dos Pinheiros e das garrafas de Pera Manca, que dizem valer bem o preço. Para quem os conhece, porque a minha carteira não dá para estas mordomias, dizem possuir hoje um código inserto no interior da cápsula. Com este código se valida a sua autenticidade através do sítio da marca. Penso, ainda, na autoridade Infarmed, autoridade que, de forma constante, nos alerta e informa sobre os medicamentos milagrosos e contrafeitros vendidos em linha, nas áreas de emagrecimento, de impotência sexual ou até de tratamentos oncológicos e VIH.
A contrafação e as falsificações são desafios para a sociedade, transversais a quaisquer categorias e áreas. Inibem a capacidade de inovação, bloqueiam a honestidade e poderão ser até fatais para a saúde. Se, por um lado, um produto é genuíno e chega até ao consumidor, poderá, por artes maquiavélicas, retornar falso à cadeia de distribuição, e até à produção, através de devoluções e movimentações reversas. Impõe-se, assim, a necessidade constante de forte investimento em formação e a aplicação de mais e melhores tecnologias. Dou como exemplo as alfândegas, cujos intervenientes são altamente expostos a produtos importados, e os armazéns, cujo pessoal necessita de atualização permanente.
É certo que existe um enorme desconhecimento dos consumidores relativamente às características essenciais dos produtos que compram. A minha vizinha do lado pensou, um dia, ter-se casado com um magnata muito rico. Descobriu rapidamente que era um campónio pobre. Não fez bem, por certo, o trabalho de casa e desgraçou-se. Se uma moeda de escudo custa, em geral, uma pequena bagatela, uma moeda de trinta e cinco, em estado belo, poderá valer alguns milhares. Da mesma forma, a mesma garrafa poderá valer cinco ou cinco mil, dependendo de certas habilidades e de certas ocasiões. Um medicamento «milagroso», mas impunemente adulterado, pode valer zero ou causar danos irreparáveis à nossa saúde.
Acalmei a Olivia, porque tenho a certeza de que irá sair vitoriosa do seu negócio. Para o efeito deverá continuar a ser fiel aos seus princípios, a praticar justos preços. Deverá continuar a melhorar as suas aptidões e conhecimentos sobre os produtos que compra, transmitindo sempre confiança aos seus potenciais consumidores. Deverá, também, aplicar paulatinamente melhorias nos seus processos, garantindo mais e melhor formação ao seu pessoal de armazém e também de loja.
*Com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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