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Abominável mundo novo!

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Abominável mundo novo!

Ideias

2025-01-12 às 06h00

Artur Coimbra Artur Coimbra

Por estes tempos, estamos claramente num período de transição entre um mundo estruturado, previsível, aparentemente consolidado, protegido por leis nacionais e convenções internacionais e um mundo que é a sua negação.
Há quem sustente que quem nasceu após 2000 talvez esteja mais preparado para estas convulsões, que englobam a paranoia das redes sociais e a incerteza da chamada Inteligência Artificial. Quem veio ao mundo nas décadas anteriores, certamente está e vai sentir a insegurança de um quotidiano em mudança radical, porventura não no melhor sentido. Para mais agravada pela reentrada em cena de um louco varrido como Donald Trump, agora acolitado por gigantes das tecnológicas americanas que se empenham em ganhar dinheiro à custa da perda das liberdades dos cidadãos pelo mundo fora e simultaneamente ameaçando os sistemas democráticos tal como os conhecemos.
O mundo está um lugar cada vez mais inseguro, não haja a mínima dúvida!
Um dos pensadores que mais e melhor se têm debruçado sobre estas questões é o historiador e professor universitário israelita Yuval Noah Harari, autor de bestsellers como Sapiens: História Breve da Humanidade (2011), Homo Deus: História Breve do Amanhã (2016), 21 Lições para o século XXI (2018) e mais recentemente Nexus – História Breve das Redes de Informação, da Idade da Pedra à Inteligência Artificial (2024).
Numa entrevista recente à revista Visão, deixa algumas afirmações que, no mínimo, são profundamente inquietantes sobre a mudança de paradigma social e político em que vivemos até agora e o que se perspectiva para os próximos tempos.
Yuval Harari escreve no seu último livro que Trump é um revolucionário que quer construir uma nova ordem mundial e, à Visão, esclarece: “Líderes populistas como Trump têm trabalhado arduamente para destruir a velha ordem liberal. Esta tinha os seus defeitos, mas também produziu as maiores melhorias no bem-estar humano alguma vez registadas, como a diminuição dramática da pobreza e o desaparecimento das guerras de conquista.
Agora que os populistas como Trump estão no controlo, não parecem ter qualquer ideia do que deve substituir a velha ordem e, como resultado, o caos está a espalhar-se”.
O historiador faz questão de salientar que a ordem liberal se baseia em regras e valores universais partilhados, em que as fronteiras são consideradas sagradas e as tentativas dos grandes países engolirem os pequenos são consideradas agressões. Foram criadas organizações globais para fazer cumprir as regras de convivência entre povos e países.
O panorama vai alterar-se drasticamente com a emergência dos populismos por esse mundo além, o que é absolutamente preocupante para quem tem um pingo de consciência e uma réstia de dignidade individual e colectiva.
Como refere Harari, “os populistas rejeitam todas as regras e valores universais e querem ver um mundo de fortalezas nacionais isoladas, sem organizações, regras e valores globais. (…) Estamos provavelmente a caminhar para um mundo muito mais violento e caótico, em que acontecimentos como a invasão russa da Ucrânia se tornem nova norma e que a América deite fora a rede de cooperação internacional que ajudou a torná-la tão poderosa - e ajudou a manter a paz no mundo”.
Por estes dias, lê-se que o novo presidente americano acenou com uma anexação do Canadá com "força económica" e não rejeitou o uso de força militar para reclamar a Gronelândia e o Canal do Panamá para o controlo dos EUA. Anda tudo louco…
Será uma visão pessimista, ou inteiramente realista, atento o conhecimento que o autor tem dos programas e comportamentos políticos daqueles populistas que se impuseram pela força do dinheiro, num tempo que poderíamos traduzir por estado abjecto do capitalismo?
Curiosamente, esta semana o cronista Eduardo Dâmaso, no Correio da Manhã, abordava o mesmo assunto, que está rigorosamente na ordem do dia de quem vê, ouve e lê.
Sob o título “O novo Triunfo dos Porcos”, refere, designadamente, que “não vale a pena fingirmos que não estamos a ver e achar que tudo se resume ao empreendedorismo tecnológico disruptivo de personagens como Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Tim Cook ou Sam Altman. As mudanças em curso na América materializam um verdadeiro terramoto contra a democracia representativa. Contra a ideia de que todos os homens são iguais perante a lei e os estados. Um terramoto que reservam para os EUA mas que querem levar para outras paragens, desde logo subjugando na Europa quem não se submeta aos seus ditames. (…) O essencial da política aos seus próprios interesses e cartilha: o ataque aos reguladores, a imunidade total e o poder absoluto de conduzirem os negócios com a inteligência artificial e o espaço como bem quiserem, a conquista de financiamento público pelos contratos obtidos”.
Em resumo, conclui Dâmaso, “o que está a passar à nossa frente é mesmo o triunfo dos porcos do século XXI. Um novo triunfo dos porcos”.
Entretanto, todos os dias se ouve que Elon Musk, o homem mais rico do mundo e que tem nas mãos vários poderes, vai não só entrar para a administração de Donald Trump, como decidiu fazer uso do seu extraordinário poder de influência (potenciado pelo algoritmo da sua rede social X) para, com o uso da desinformação, especulação e de todas as vigarices que os ricos manipulam a seu bel-prazer, tentar influenciar a política europeia e as eleições na Alemanha, apoiando a extrema-direita. No fundo, o que está em causa é o ataque despudorado às democracias representativas e aos países soberanos, por parte de quem, ainda por cima, é aliado desses países, no quadro da Aliança Atlântica. Absolutamente deplorável!
Por outro lado, acaba de saber-se, o fim das plataformas de verificação de factos da Meta (Facebook, Instagram e Whatsapp), em nome de uma suposta liberdade de expressão, é outro sinal dos tempos e uma notícia muito relevante para a saúde das nossas democracias.
A Meta recorria a órgãos de comunicação social e a grupos de fact-checking independentes para verificar a veracidade das informações publicadas nas plataformas do grupo. Para Mark Zuckerberg, essa verificação de factos “atingiu um ponto em que tem demasiados erros e censura excessiva” e por isso em vez de a melhorar, acabou com ela. A quem interessa, como questionava recentemente o Expresso? A Donald Trump e foi o próprio Zuckerberg que o explicou quando disse que “as eleições recentes também parecem marcar um ponto de viragem cultural para voltarmos a priorizar a liberdade de expressão”. Quer estar ao lado do poder para, através dele, alcançar os seus objetivos. 
O objetivo declarado dos donos do X e do Facebook é estar ao lado do poder, servir-lhe de veículo e alcançar os seus objectivos (sobretudo económicos, mas também de controlo das narrativas do mundo) através dele, como alguém refere.
Tudo isto é maximamente abjecto e preocupante. Há uma vontade destes homens do dinheiro e das tecnologias que envenenam os cidadãos de promoverem a desinformação, notícias falsas e a propaganda da extrema-direita. Não serão eles a zelar pela liberdade de todos, mas apenas de alguns, os domesticados pelas redes sociais. Disso temos de tomar consciência.
Abominável mundo novo, no qual não nos revemos nem à lei da bala!!!

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