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A tempestade perfeita!

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A tempestade perfeita!

Ideias

2021-12-07 às 06h00

Jorge Cruz Jorge Cruz

Os fracassos políticos e sociais revelados pela pandemia aproximarão mais as pessoas de líderes populistas e autoritários, os quais raramente fornecem soluções duradouras para as preocupações dos cidadãos.
Esta, a ideia-força de um relatório publicado no final do passado mês de Novembro pelo Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), organização intergovernamental sediada em Estocolmo e que apoia a democracia sustentável em todo o mundo. Na sua apresentação, o secretário-geral da organização, Kevin Casas-Zamora, sublinhou que o documento dá nota que “agora é o momento para as democracias serem ousadas, inovarem e revitalizarem.”
É um facto que o mundo se está a tornar mais autoritário, na medida em que os regimes autocráticos assumem a repressão ainda com mais ousadia. Há governos democráticos a retroceder e a adoptar tácticas autoritárias, restringindo liberdades, em particular a liberdade de expressão, e enfraquecendo o Estado de Direito, tendência que a pandemia da Covid-19 exacerbou.
Na verdade, e no que concerne à implementação e qualidade das democracias no mundo, o relatório é pouco estimulante, chegando mesmo a ser deveras desanimador quando demonstra um alto grau de erosão da democracia e, pior ainda, o avanço da prepotência e do autoritarismo em diversos países. Aliás, segundo o IDEA, cerca de setenta por cento da população mundial vive em países que, do ponto de vista democrático, sofreram retrocessos.
No plano das liberdades e direitos, pedras basilares dos regimes democráticos, o panorama mundial não se apresenta nada confortável, bem pelo contrário, pois os dados recolhidos mostram que os países que caminham em direcção ao autoritarismo superam em quantidade aqueles que se encontram em fase de democratização.
Com efeito, o documento dá conta que o número de democracias em declínio dobrou na última década, representando agora um quarto da população mundial. Esses números incluem democracias estabelecidas, como os Estados Unidos, mas também estados membros da EU, como a Hungria, a Polónia e, mais recentemente, a Eslovénia. Ou seja, mais de dois terços da população mundial vive em democracias em regressão ou em regimes autocráticos.
Embora num plano bastante diferente, a verdade é que Portugal também não escapa. O relatório refere que, nos últimos cinco anos, foram registadas quedas na qualidade democrática no nosso país, com retrocessos, em particular nas áreas da “independência judicial, ausência de corrupção e execuções previsíveis”.
Claro que estas tristes conclusões têm variadas origens e resultam de uma multiplicidade de causas. A pandemia gerada pela Covid-19, por exemplo, foi um dos factores que aprofundou a tendência de deterioração democrática. Ou seja, a pandemia pressionou a democracia com tal intensidade, que alguns governos aproveitaram para a utilizar como a desculpa perfeita para a enfraquecerem ainda mais.
A comprová-lo, segundo o IDEA, a circunstância de em Agosto de 2021, haver registo de 64% de países que tomaram pelo menos uma acção considerada desproporcional, desnecessária ou ilegal, para conter a pandemia. Ou seja, tudo parece indicar que uma tempestade perfeita está a atingir a democracia enquanto o mundo se torna mais autoritário.
E a questão colocada no início deste texto, isto é, o papel dos líderes populistas e autoritários, também tem, obviamente, a sua quota-parte de responsabilidade na mudança que se está a operar no mundo. O seu advento tem origem, em geral, nos falhanços das políticas governamentais, mas também é óbvio que o crescimento de tais correntes populistas decorre de campanhas orquestradas que encontram nas redes sociais um campo fértil de propagação.
As chamadas redes sociais aproveitam as enormes vantagens daquilo que se convencionou chamar de sociedade da informação. Porém, a abundância incontrolável transforma-se em excesso de informa- ção, boa parte da qual contaminada por um terrível e temível veneno, as informações falsas (fake news).
O grande problema deste vírus sistémico reside no facto de, além de ter propagação extremamente rápida, não ser passível de controlo. Permite, assim, criar uma situação de desinformação pandémica, a qual, naturalmente, abre portas à transmissão em massa de conhecimento falso ou deturpado. É essa difusão ilimitada de conteúdos manipulados, aliada à ausência de reflexão, que conduz à disseminação do obscurantismo, colocando em risco a própria democracia.
Por outro lado, e no plano político, a polarização será uma das mais perigosas consequências das redes sociais, já que as pessoas se integram em grupos de esquerda ou de direita, sendo governadas por algoritmos e não pelo discernimento racional.
O documento nota que, em paralelo, se regista “um aumento geral no sentimento anti-imprensa” na Europa, apontando “exemplos significativos de assédio a jornalistas” na Áustria, Croácia, Itália, Portugal, Rússia, Sérvia e Eslovénia. Aliás, o relatório de 2020 do Media Pluralism Monitor notou “uma deterioração ainda maior nas condições de trabalho dos jornalistas”, definindo a concentração na propriedade dos Mídia, na Europa, como um dos riscos mais significativos para o seu pluralismo.
Porém, e como o estudo reconhece, nem tudo é mau. Regista positivamente o facto de muitas democracias se terem mostrado resilientes, mesmo durante a pandemia, tendo aproveitado para introduzir ou ampliar inovações democráticas, ao mesmo tempo que adaptaram as suas práticas e instituições em tempo recorde. Em todo o caso, o panorama não é muito animador.
Claro que existem outros factores. A falta de cultura democrática de algumas elites será, porventura, um dos mais relevantes. Mas esse será tema para uma próxima oportunidade.

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