Os bobos
Escreve quem sabe
2018-04-08 às 06h00
Os apóstrofos espalharam-se como uma praga e não há sinal de cura.
Ao percorrermos os jornais, ao vermos televisão, ao abrirmos os folhetos publicitários, lá estão eles, coladinhos às siglas e aos acrónimos.
Comecemos por esclarecer o que distingue uma sigla de um acrónimo: a sigla é uma palavra formada através da redução de um grupo de palavras às suas iniciais, as quais são pronunciadas de acordo com a designação de cada letra (ex.: RTP); o acrónimo é uma palavra formada através da junção de letras ou sílabas iniciais de um grupo de palavras, que se pronuncia como uma palavra só, respeitando, normalmente, a estrutura silábica da língua (ex.: SIC).
Convém realçar que quer as siglas quer os acrónimos não variam em número, uma vez que o plural está já incluído na palavra da qual se considerou apenas a letra inicial.
Todavia, não raras vezes, vemos estas palavras pluralizadas acrescentando-lhes um s minúsculo (CDs Festivais de Verão, anunciados na página da Worten, https://www.worten.pt/cds-musicas-festivais-de-verao-2017, acedida a 18-03-18) ou maiúsculo PALOPS, nome de um separador da página eletrónica da revista Visão, http://visao.sapo.pt/actualidade/visao20anos/palops, acedida a 18-03-18), mas sobretudo pendurando-lhes o famigerado apóstrofo (Caso SMS´S. PJ vai investigar forma como FC Porto obteve os e-mails, título encontrado na página eletrónica do portal SAPO-Desporto, https://desporto.sapo.pt/futebol/primeira-liga/artigos/caso-smss-pj-vai-investigar-forma-como-fc-porto-obteve-os-e-mails, acedida a 18-03-18).
No primeiro exemplo, a sigla é CD (do inglês compact disc). No singular, deveremos escrever e dizer Comprei um CD novo e no plural o correto será escrever e dizer Comprei dois CD novos.
Os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa têm como acrónimo PALOP (obrigatoriamente em maiúsculas).Porém, não é difícil encontrar este acrónimo dito e escrito no plural, até onde menos se espera, como na página eletrónica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, a anunciar um Encontro com os Alunos dos PALOPs, com o beneplácito do Gabinete de Cooperação e Relações Externas e com a participação da Unidade Académica, Gabinete de Apoio Psico-Pedagógico e Associação de Estudantes da FCUL (https://ciencias.ulisboa.pt/pt/node/1052?perfil=3, acedida a 18-03-18).
Deixo para o final a sigla SMS, empréstimo do inglês Short Message Service.
Em primeiro lugar, refira-se que adaptamos a sigla para definir a mensagem de texto que enviamos ou recebemos via telemóvel, por conseguinte, deveremos usar o feminino uma SMS. Contudo, reparem que nos vossos documentos escritos com o Word® a expressão uma SMS aparece sublinhada a verde, como se de um erro de concordância se tratasse. A sugestão dada pelo corretor automático é um SMS
Originariamente, SMS diz respeito ao serviço de mensagens curtas, sendo natural que usássemos o masculino um SMS, se a tal nos referíssemos. Porém, os falantes portugueses deixaram de a associar a serviço e interiorizaram que seria a própria mensagem enviada ou recebida, daí o uso lógico do feminino. Por vezes, os mais puristas utilizam a expressão enviar/receber uma mensagem por SMS, mas o mais frequente é ouvirmos enviar/receber uma SMS.
Seja de uma forma ou de outra, a sigla não tem plural, muito menos com o apóstrofo seguido de s. Em inglês, são várias as situações onde o apóstrofo pode ser usado para descrever situações de posse, o chamado possessive case, mas segundo o Acordo Ortográfico de 1990 da língua portuguesa, o apóstrofo usa-se nos seguintes casos:
a) Para cindir graficamente uma contração ou aglutinação vocabular, quando um elemento ou fração respetiva pertence propriamente a um conjunto vocabular distinto: d' Os Lusíadas, n' Os Lusíadas; pel' Os Lusíadas.
b) Para cindir uma contração ou aglutinação vocabular, quando um elemento ou fração respetiva é forma pronominal e se lhe quer dar realce com o uso de maiúscula: d'Ele, n'Ele, d'Aquele, n'Aquele, d'O, n'O, pel'O, m'O, t'O, lh'O, casos em que a segunda parte, forma masculina, é aplicável a Deus, a Jesus, etc.; d'Ela, n'Ela, d'Aquela, n'Aquela, d'A, n'A, pel'A, tu'A, t'A, lh'A, casos em que a segunda parte, forma feminina, é aplicável à mãe de Jesus, à Providência, etc.
c) Nas ligações das formas santo e santa a nomes do hagiológio, quando importa representar a elisão das vogais finais o e a: Sant'Ana, Sant'Iago, etc. Em paralelo com a grafia Sant'Ana e congéneres, emprega-se também o apóstrofo nas ligações de duas formas antroponímicas, quando é necessário indicar que na primeira se elide um o final: Nun'Álvares, Pedr'Eanes.
d) Emprega-se o apóstrofo para assinalar, no interior de certos compostos, a elisão do e da preposição de, em combinação com nomes: borda-d'água, cobra-d'água, copo-d'água, estrela-d'alva, galinha-d'água, mãe-d'água, pau-d'água, pau-d'alho, pau-d'arco, pau-d'óleo.
Há tempos, circulou nas redes sociais, e fez eco nesta notícia publicada na página eletrónica da Rádio Renascença, que um engenheiro inglês se tornara vigilante noturno da gramática, ou seja, percorria as ruas de Bristol, em Inglaterra, para corrigir os letreiros das lojas. Lê-se na notícia que o erro gramatical mais frequente da cidade é a colocação de apóstrofes (sic). Ora, o método de correção usado pelo defensor da gramática é a colocação de adesivos por cima dos erros e eu pedir-lhe-ia um emprestado para tapar a palavra apóstrofes (recurso expressivo) da notícia da Rádio Renascença e escrever por cima apóstrofos (notícia completa em http://rr.sapo.pt/noticia/80455/haumvigilantedagramaticaasoltanasruas, acedida a 20-03-18).
Termino com a anedótica resposta de um aluno à pergunta de um colega: Explique o uso dos apóstrofos nas duas frases que se seguem. Responde o aluno: Nestas frases, não sei, mas sei que os apóstrofos eram usados para espalhar as palavras de Jesus.
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