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A paixão entre a vaidade e a repressão

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A paixão entre a vaidade e a repressão

Ideias

2025-02-16 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Assinalou-se, na passada sexta-feira, o “Dia dos Namorados”, momento aproveitado pelos casais para demonstrar os afetos que sentem.
Este dia, como todos os outros, deve convidar à reflexão sobre o relacionamento entre os casais, cujas desavenças, por vezes, resultam em violência ou até em tragédias. Para dar um exemplo, basta recordar que, no ano de 2023, foram assassinadas em Portugal dezassete mulheres; no ano seguinte, até 15 de novembro, o número subiu para vinte e cinco. E, este ano, só no mês de janeiro, já foram assassinadas cinco mulheres no nosso país. Se esta média se mantiver, no final do ano, mais de cinquenta mulheres terão sido assassinadas em Portugal!
A nível mundial, os dados são ainda mais alarmantes: morrem, em média, cinco mulheres por hora, vítimas de violência. São várias as causas que conduzem a este desfecho trágico, cabendo a todos alertar as autoridades sempre que se verifiquem indícios destes crimes.

Esta realidade faz-nos recordar outras épocas, em que as mulheres eram totalmente subjugadas aos maridos. E, quando houve momentos de maior autonomia feminina, as reações sociais não se fizeram esperar, principalmente em Braga, cidade profundamente tradicionalista no que respeita a estes valores sociais.
Sendo Portugal um país mais conservador do que a maioria dos países da Europa Ocidental, causou enorme espanto um concurso de beleza feminina lançado pelo Diário de Notícias, em 1921, para eleger a mulher mais bonita do país. Para esse efeito, foram enviados emissários por todo o território à procura da mulher mais bela de Portugal.

Os bracarenses é que não gostaram nada desta ideia, tendo Artur Bivar, no jornal “Diário do Minho”, referido que até compreende “que um criador de gado bovino ou cavalar tenha orgulho em ir ás feiras mostrar bezerras nedias e eguas de boa estampa; mas não compreendemos que um pae, e muito menos um marido, vá à feira do Diário de Notícias expor as perfeições plásticas das filhas, ou da mulher”! (“Diário do Minho”, de 7 de agosto de 1921).
Artur Bivar foi mais longe ao sugerir que deveria ser criado um “concurso de bondade feminina”, onde fossem destacadas as mulheres de talento para obras de bondade cristã, com mais agilidade para o trabalho e com mais ternura para a família e para o marido. Nesse âmbito, as senhoras de Braga ganhariam de certeza esse concurso.

A violência que se notava contra as mulheres já vinha sendo assinalada desde os inícios do século. A 18 de dezembro de 1900 o “Commercio do Minho” lembrava a degradação dos costumes que se notava no país, e até em Braga. As causas estavam, na altura, bem identificadas: a “degeneração de costumes da sociedade portugueza”, profundamente afetada pela “febre contagiosa de licenciosidade e de mundanismo, começando nas classes menos abastadas e acabando nas mais opulentas, pois em todas se manifestam as mesmas tendências para o vicio e para a devassidão sem freio nem limite”.
A referida fonte, citando o “Diário de Notícias”, lembra que a degradação dos costumes está associada à mulher, pois “a mulher é uma religião”, acrescentando que a base da sociedade é a família, referindo ainda “Ai da família e ai da sociedade, onde o lar domestico não fôr um sanctuário”!

Outro dos problemas identificados é que os portugueses não sentiam a religião de forma profunda, pois rezavam com os lábios, mas não a sentiam com a alma.
A sociedade de inícios do século XX era marcada pela aparência. Bastava ir “á mais bela sala de espetáculos, a S. Carlos, e vereis a familiaridade com que os moços da sociedade elegante cortejam sem rebuço as flôres mundanas que enfeitam os alegretes da plateia”.
Nessa altura as ruas das cidades não eram marcadas pelas pessoas que trabalhavam, mas por aqueles que “pavoneiam a sua ociosidade”.

Já nessa altura, a sociedade portuguesa dava fortes sinais de degradação, estando sempre a mulher no centro das atenções. Outra das justificações apresentadas para este facto estava associada ao elevado desenvolvimento industrial. Isto porque as mulheres, nos inícios do século XX, já não dedicavam o seu tempo às tarefas domésticas, como por exemplo confecionar as suas próprias peças de roupa ou de enxoval: há apenas “um quarto de século que ainda na maioria das famílias medianas e burguezas estava em uso a roca, se fiava a estriga de linho e se preparava a teia com que todos os annos se augmentava o bragal”!
Agora as indústrias têxteis produziam em grande quantidade esses produtos! Desde que “há as camisarias e as fabricas a vapor, quasi que não vale a pena fazer em casa a roupa branca”, sendo esta outra das principais “causas da nossa desgraça”!
No início do século XX, as famílias passaram a optar por ter em casa as "criadas", que faziam de tudo: tomavam conta das crianças, vestiam-nas, alimentavam-nas e até as educavam, enquanto “as mães andam nas visitas, nos passeios, nos theatros, sem um momento de descanso para tratar das cousas essenciaes”.

As críticas à sociedade de então não atingiram só as mulheres. Os homens também eram responsáveis, pois “o marido da actualidade parece que deseja que a sua esposa seja apenas um objecto de luxo, uma futilidade gallante, um bilhete de primeira classe no trem de prazer da vida”!
A degradação dos costumes tornava-se cada vez mais evidente no início do século XX, pois as mulheres eram dominadas pela principal preocupação: a toilette e a vaidade.

Essa decadência moral era também atribuída aos maridos, que permitiam que as suas esposas saíssem de casa com mais frequência e assistissem a espetáculos teatrais, nos quais as peças se destacavam pela linguagem obscena. Depois, “esses bem-aventurados levam para casa as mães dos seus filhos, os sacrários da sua honra”!
Já em casa, essas mulheres ficavam a meditar sobre o que tinham visto durante o dia, sentindo-se, assim, “desamparadas” e com dificuldades em “socegar a agitação dos nervos e o tumulto das idéas”!
Estas foram algumas das razões apontadas no início do século XX para a degradação da moralidade associada às mulheres.
Pior ainda, serviram como justificativa para a "série de crimes de assassínio praticados no país, tendo como causa próxima ou remota a mulher"!

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