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A Música da Morte

Reclassificar o solo

A Música da Morte

Voz aos Escritores

2024-10-25 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

A sete de Outubro de 2023, quatro mil jovens reúnem-se no Festival Nova, em Israel. Celebram o amor, a liberdade, a natureza, a amizade. Bebem e dançam ao som da música, deslumbrados no romper da aurora anunciadora de um novo dia. Para muitos, será o último. Maya, Itay, Shoval, Tomer, Racheli, Michal, Noam, Gali e Amit sobreviveram. Às seis da manhã ouvem-se os primeiros estrondos. Os jovens continuam a dançar ingénua e despreocupadamente, os fragores seriam foguetes ou fogos-de-artifício que engrandeciam a festa. A vedação que os separa da Faixa de Gaza não pode ser atravessada e a Cúpula de Ferro protege-os das habituais agressões externas. A música cessa. Sobre eles, mais de oitenta mísseis rasgam os céus matinais Alerta vermelho, alerta vermelho, a segurança do evento pede que saiam do festival, ali não há abrigos, procurem abrigos. Maya e Itay mandam uma mensagem ao pai: há um bombardeamento, estamos bem. Nessa madrugada, centenas de elementos do Hamas invadem Israel por terra, mar e ar. No afogadilho da fuga, milhares de automóveis entopem as estradas. Os terroristas correm na direcção dos carros, disparam, Alá é grande, gritos, fumo, pó, tiros, cadáveres, jovens esvaídos. Gali e Amit abandonam os carros, voltam ao recinto do festival. Rapazes e raparigas escondem-se sob o palco e em contentores, elas refugiam-se numa das casas-de-banho portáteis.

Os tiros prosseguem, bandos de jovens correm, os atingidos tombam na terra seca, matadores em pick-ups e motorizadas metralham a multidão indefesa. Gali e Amit deitam-se no chão da casa-de-banho portátil, as balas zumbem sobre os corpos que tremem de pavor, os estampidos sincronizam as suas orações e as falas em árabe dos invasores. Grupos de foragidos ocultam-se entre os pequenos arbustos do descampado, uns choram, outros dizem, Isto não é real, isto não é verdade. As rajadas das metralhadoras prosseguem, ratara tatá, ratara tatá, ratara tatá, terríveis, intermináveis, uma rapariga entra em pânico, Shoval abraça-a, pede-lhe, Não chores, podem ouvir-nos, não chores, logo, logo chegará o exército. Michal não consegue correr mais, o medo e a fuga desenfreada roubam-lhe o ar, implora a um carro que a leve. Nele seguem apinhadas vinte pessoas, Michal pendura-se na janela, suplica. Maya filma o massacre, a brutalidade dos terroristas no vozear de ódio e no arremessar de corpos, liga ao pai, pede socorro, Estamos a ser chacinados, pai, estão a matar-nos, pai, amo-te, pai. Os terroristas acercam-se. São milhares armados e enfurecidos. Os jovens vêem-se obrigados a sair dos arbustos. Michal é baleada numa perna. A seu lado, jaz um rapaz moribundo.

O rapaz pede-lhe o telemóvel, quer ligar à mãe, despedir-se dela. Não teve tempo. Mãe: a derradeira palavra nos lábios tingidos de sangue. Gali a Amit estão há nove horas na casa-de-banho portátil. Espreitam por um furo. O recinto do festival é o apocalipse, fumo, poeira, sangue, cadáveres. Rezam para que o exército israelita se apresse. Os militares recolhem Michal. Está salva. O grupo de Noam esconde-se num abrigo de betão. Trinta pessoas comprimidas num lugar com capacidade para dez. Uns choram, outros filmam, outros ligam aos pais para se despedirem. Os terroristas disparam, atiram granadas, os corpos explodem, desmembram-se. Noam esconde-se sob os mortos, cobre-se de pernas e de braços decepados. Alá é grande. Cheira a fezes, urina, ácido gástrico. Pó e fumo e sangue e pólvora. Silêncio. Julgam-no morto. Avivam-se os gritos dos torcionários, raptam sobreviventes, amontoam-nos nas pick-ups, chamam escravas de guerra às raparigas que arrastam pelos cabelos. Mulher honrada esconde as perigosas melenas, às infiéis galdérias os maiores dos castigos.

Os militares israelitas ganham terreno. Os cenários chocam, carros que ardem, corpos de jovens massacrados, outros carbonizados. No recinto do festival o horror de um campo de batalha. Resgatam Gali e Amit. Da janela da carrinha, testemunham a destruição de um lugar outrora vivo e belo. Os ritmos que celebravam a vida emudeceram. Ouve-se apenas a música da morte. Multidões de pais desesperados aglomeram-se à porta do hospital. Lá dentro, Michal recebe vídeos dos amigos que perdeu, imagens comprovadoras da infinda barbaridade do bicho homem. Nesse dia fatídico, trezentos e setenta jovens são assassinados. Em vinte kibutz, os terroristas do Hamas dizimam mil e duzentas vidas. Maya e Itay foram libertados volvidos cinquenta dias. À data de hoje, o grupo terrorista islâmico recusa-se a libertar os reféns de sete de Outubro de 2023 que ainda detêm. Não se sabe se estão vivos ou mortos.

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