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Braga, quarta-feira

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A manifestação dos esfomeados em Braga

O Momento da Escola Pública

A manifestação dos esfomeados em Braga

Ideias

2023-02-05 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Muito se tem falado na crise económica que assola o nosso país, com sinais de alerta constantes para um ano que se prevê marcado pelo contínuo aumento de preços e pela diminuição do poder de compra.
A crise leva-nos a recordar outras que ocorreram em tempos mais remotos. Uma dessas crises, que afetou profundamente Braga, ocorreu em 1891, passam agora 132 anos.
Nesse ano, marcado por uma profunda crise monetária, o Minho, então região muito pobre, viveu momentos de grande dramatismo, fruto da falta de dinheiro que marcava as famílias portuguesas.
A crise era de tal ordem acentuada que um grupo de pessoas, os agiotas, apoderavam-se da frágil literacia financeira da época para fazerem especulações calculistas, estando as notas no epicentro. Nesse ano, todos rejeitavam as notas que, aos poucos, viam diminuído o seu valor.

Basta lembrar que nas lojas os comerciantes não se aceitavam notas como pagamento; nas diversas repartições e serviços, como os correios, as notas não eram também aceites além das mercearias e feiras onde os comerciantes preferiam não vender os produtos a aceitar pagamentos em papel moeda!
As repartições públicas de então eram as primeiras a contribuir para o agravar da crise económica e financeira e, por essa razão, a colaborar também para a revolta social. Negavam-se a receber notas como forma de pagamento, apesar de pagarem sempre em notas!

O alarme social era espelhado por alguma imprensa da época, como foi o caso do “Commercio do Minho”. Esta fonte, na sua edição de 21 de julho de 1891, questionava mesmo por que razão haveria um “desgraçado artista mourejar de sol a sol uma semana inteira, para receber no fim um pedaço de papel que ninguém lhe troca por pão? Quem ha-de sustentar-lhe os filhos? Quem ha-de matar a fome a tanta gente que vive do trabalho?”!
Por esse motivo ocorreu em Braga, no dia 20 de julho de 1891, uma das maiores manifestações de operários, esfomeados, que a capital do Minho alguma vez assistiu.
Segundo os relatos da época, por volta das 9 horas, notou-se um grande reboliço dos operários que se encontravam nas obras em construção, por toda a cidade. Na rua D. Frei Caetano Brandão, todos os operários deixaram o trabalho e vieram para a rua: “Ao toque de uma bosina de barro começaram a convergir alli os operários d’outras obras. Dentro em pouco era já grande a multidão”. Os operários referiam que ou recebiam o dinheiro em metal ou lançavam fogo às notas!

Nessa ocasião, os operários abandonaram as obras e dirigiram-se para a multidão que ia aumentando. Com medo das consequências, as hortaliceiras, as padeiras e outros vendedores que se encontravam na Praça Municipal retiraram os seus produtos e foram para casa. Da mesma forma os comerciantes fecharam as suas lojas, com receio das consequências que daí poderiam advir.
A multidão de operários, que crescia a cada minuto, dirigiu-se então para Santa Tecla, convidando no percurso os operários a abandonar o trabalho e a juntar-se aos manifestos. E se por alguma razão algum operário rejeitava integrar a multidão, de imediato a tensão aumentava. Foi o que aconteceu no largo do Barão de S. Martinho, quando um pedreiro negou acompanhar a multidão, gerando-se um princípio de motim “que foi imediatamente serenado com a presença do snr. capitão Marques e a força da cadeia”.

Ao longo do percurso a revolta e o me-do aumentavam. Por exemplo, na rua de S. Vítor, a maioria dos moradores recolheu-se em casa, fechando ao mesmo tempo as portas com receio dos acontecimentos.
Quando a multidão chegou a Santa Tecla, pelas 11 horas, o número de operários rondava já os 3 000! A reunião fora convocada para esse local, exatamente no quintal da casa n.º 45, por uma comissão operária, onde estava instalada a associação dos sombreireiros.

Nesse comício operário, todos os oradores se queixaram amargamente da exploração que se estava a fazer em Braga com os trocos. Referiram que os patrões pagavam em notas porque não recebiam outro dinheiro, “e o pobre operário via-se na necessidade de pagar agio para receber a feria em metal”. Mencionaram ainda que no Banco de Portugal não se trocavam notas porque o próprio Governo não tinha confiança nelas.
Dessa reunião saiu uma comissão, que ficou incumbida de ir junto do Governador Civil de Braga solicitar algumas reivindicações, nomeadamente: - 1.° que seja posto um freio à agiotagem que explora com o ouro, a prata e o cobre; - 2.º que seja fornecida aos patrões moeda metálica para as férias aos operários; - 3.º que a comissão delegada dos operários ficava em sessão permanente aguardando as resoluções do Governo Civil.
Essa comissão dirigiu-se então pelas ruas de Santa Tecla, S. Vítor, campo de Santana, e ruas de S. Marcos e do Anjo, com destino ao Governo Civil. Era acompanhada por uma multidão que ultrapassava agora os 4 000 operários!
No edifício do Governo Civil, a comissão operária foi recebida pelo Governador Civil substituto (comendador Araújo Correia) que prometeu envidar todos os esforços perante o Governo para que fosse remediado o grande mal que os operários estavam a sofrer.

Apesar desta posição do representante do Governo Civil, os conflitos não abrandaram nos dias seguintes, como foi o caso dos ocorridos a 21 de julho desse ano, quando na feira semanal de Braga a força de cavalaria teve de impor a ordem, gerando-se o pânico entre os feirantes, nomeadamente os que se deslocavam das zonas mais rurais. Referia-se na altura que os salários eram baixos, apesar de se trabalhar como negros!
O Ministro da Fazenda dizia que o Banco de Portugal, delegação de Braga, deveria fazer como a sua filial de Lamego, “onde por acordo entre o Banco local e os comerciantes estes depositam n’aquelle os trocos que recebem nas vendas e os recebem quando precisam, assim como os industriaes”.
A revolta social destes “esfomeados”, que ocorreu em Braga, apenas acalmou quando foi publicada uma portaria, a 23 de julho de 1891, que obrigava os agiotas a coletarem-se e a pagarem impostos sobre a sua atividade. No entanto, os efeitos da fome e da miséria prolongaram-se pelos meses seguintes.

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