Correio do Minho

Braga, sexta-feira

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A mancha nas silvas e o fim do mundo em Braga

Órfãos de Pais Vivos

Ideias

2012-04-02 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Começo por esclarecer que neste texto não irei referir-me a qualquer candidatura a cargos político-administrativos que, pelo envolvimento de algumas pessoas, mais parece levar “ao fim do mundo”.

Prometo também que não irei referir-me à campanha que o Sporting de Braga está a realizar no campeonato de futebol, que cria ilusões e desilusões, nem sequer a qualquer obra pública que cause enorme transtorno na sociedade. Não irei referir-me, ainda, à política levada a cabo por este governo, e que tem causado grande crise económica e social, com repercussões, também, em Braga.

Neste texto irei, apenas, referir-me a um boato que surgiu na maioria das freguesias de Braga, o qual anunciava que o fim do mundo estaria próximo e que a indicação deste acontecimento fatal teria origem numas nódoas que apareciam nas folhas das silvas.

Mas vamos por partes: nas últimas décadas do século XIX surgiu um boato em Braga, o qual anunciava que o mundo acabaria quando o dia do “Corpo de Deus” correspondesse ao dia de S. João. Associado a esta profecia, diziam ainda que os sinais far-se-iam sentir nas folhas das silvas, e através de umas manchas idênticas a serpentes, que alertavam as pessoas e lançariam o terror na Terra, levando ao fim da vida e ao fim do mundo.

O ano em que o dia de S. João coincidiu também com o dia do “Corpo de Deus” foi em 1886 (passam agora 126 anos), e por essa razão as pessoas andavam assustadíssimas com a forma como o mundo iria acabar.

O tema era comentado de forma preocupada e assustada por toda a gente, motivando a reunião de pessoas junto de estabelecimentos comerciais e junto de igrejas. Também nas famílias o tema era discutido, tal como era entre os vizinhos, que se alarmavam mutuamente, através de conversas emotivas tidas nas varandas e janelas das habitações.

Com o passar dos dias e com a aproximação do dia de S. João, e com ele o “Corpo de Deus”, começou a viver-se um ambiente de grande preocupação, muita angústia e também medo nas pessoas desta região. E como o S. João se celebra também em Braga, foi nesta localidade que se notou a maior angústia.

A profecia pareceu estar prestes a concretizar-se quando, na Primavera desse ano, as pessoas das freguesias, principalmente das suburbanas, começaram a reparar que nas folhas das silvas surgiam, cada vez com mais intensidade, umas manchas, que “começam por um fio estreitíssimo que se vae alargando até ao fim, dando efectivamente a parecer uma notável similhança com a configuração de uma pequena cobra”. (1)

Na extremidade mais larga das folhas das silvas a sombra do animal alojava-se, de forma misteriosa, como se estivesse a esconder-se das pessoas. Ora, este estranho fenómeno da natureza atraia muitas pessoas, que se deslocavam para junto dos silvados, e analisavam em pormenor as folhas das silvas e o respectivo bichinho que aí estava alojado. Também os “crendeiros correm como invasão aos silvados, examinam com mil comentários as folhas sulcadas, e voltam aterrados a espalhar urbi et orbi a próxima extincção do mundo” (id).

Como consequência desta histeria colectiva, aumentaram as doações à Igreja, tal como aumentaram as vezes que as pessoas se confessavam, pois queriam estar preparados para os seus últimos momentos de vida e, consequentemente, entrarem na vida eterna de forma pura e serena.

No dia de S. João, e no “Corpo de Deus”, nada de anormal aconteceu, nem em Braga, nem em qualquer outra parte no mundo.
Estupefactos, mas aliviados, os bracarenses retomaram o seu percurso, recuperando forças e emoções para enfrentarem melhor o resto das suas vidas. No entanto, só uns dias depois é que se aperceberam de terem perdido uma oportunidade de festejar mais um S. João de uma forma livre e despreocupada. Tudo por causa das manchas que apareciam nas silvas!

1) - Jornal “O Commercio do Minho”, de 16 de Abril de 1886.

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