Segurança na União Europeia: desafio e prioridades
Escreve quem sabe
2013-11-23 às 06h00
Foi publicada em agosto último, a designada lei-quadro das entidades reguladoras. A maior parte da população desconhece não só este facto, mas também e sobretudo o que são e o que fazem as entidades reguladoras.
De facto, muitos nunca ouviram falar da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), ou da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) ou ainda do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), para apenas referir três exemplos de um universo que comporta mais de uma dezena de entidades.
Estas entidades fazem parte da nossa administração pública, mas com a categoria de “entidades administrativas independentes”, competindo-lhes designadamente a regulação da atividade económica, a defesa dos serviços de interesse geral, a proteção dos direitos e interesses dos consumidores e a promoção e defesa da concorrência dos setores privado, público, cooperativo e social.
Por exemplo, é a ERSE que coordena todo o processo de passagem para um mercado liberalizado de energia, ou a ANACOM foi a entidade que geriu todo o processo de instalação da TDT (Televisão Digital Terrestre), ou ainda que é a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos) que controla a qualidade da água que chega a casa dos consumidores.
O aparecimento destas entidades entre nós é relativamente recente, corresponde no fundo à aplicação de uma visão neo-liberalista dos mercados, com origem nos EUA e que na Europa, com a ascensão ao poder de políticos como Margaret Tatcher e Helmut Kohl, encontrou o suporte político para frutificar.
De facto e de uma forma muito simplista, podemos dizer que o objetivo foi retirar o Estado da economia, no sentido de este deixar de ser um Estado provedor de serviços essenciais ao cidadão, como aconteceu durante a maior parte do século XX (recorde-se entre nós o aparecimento de empresas como os CTT, a CP, a EDP ou os extintos TLP), para passar a um Estado Regulador, de modo a garantir a eficiência e a leal concorrência dos mercados.
Esta política foi ainda reforçada pelas instituições europeias, designadamente a Comissão Europeia, podendo ver-se em muitos aspetos deste processo, uma europeização ou federalização da administração pública dos Estados-membros, justamente por via da criação destas entidades, já que é em Directivas e Regulamentos comunitários que vamos encontrar muitos dos princípios e regras que enformam o funcionamento destas entidades que não integram a administração directa do Estado (aí temos por ex. as direções-gerais) ou a administração indirecta (onde pontificam os institutos públicos), mas que constituem uma nova tipologia.
De forma a garantir a sua independência, a lei garante que estas entidades disponham de autonomia administrativa e financeira (o seu financiamento é feito maioritariamente através de taxas cobradas às entidades reguladas), autonomia de gestão, independência orgânica, funcional e técnica (por ex., a administração destas entidades embora proposta e designada pelo Governo, requer parecer da Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração Pública e audição na Assembleia da República).
Também o mandato destas administrações, irrenovável, tem a duração de seis anos, desencontrado com a duração dos mandatos dos órgãos de soberania e quando os seus membros cessam funções, entram num período de ‘quarentena’, isto é obriga a que num período de dois anos não possam prestar funções nas entidades reguladas. Estas e outras limitações visam reforçar a sua independência (evitar a ‘teoria da captura’ por parte dos poderes políticos, corporativos e económicos).
Estas entidades possuem vastos poderes de regulação, regulamentação, supervisão, fiscalização e sancionatórios em relação às entidades reguladas. Devem ainda garantir a proteção dos direitos e interesses dos consumidores.
Com tantos poderes resta mesmo uma questão que se prende com a legitimidade democrática destas entidades, já que há muitos que defendem que tantos e tão vastos poderes não são compatíveis numa sociedade democrática com uma tão grande dose de independência, como aquela que os reguladores desfrutam atualmente. O futuro nos dirá se este modelo, made in USA, é o indicado para o correto funcionamento dos mercados europeus.
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