Os amigos de Mariana (2ª parte)
Escreve quem sabe
2021-11-26 às 06h00
Ontem de manhã, quinta-feira, antes de dar uma última leitura ao texto da minha crónica (que ficou para outra oportunidade – “que outro valor mais alto se alevanta”), passei os olhos pelos dois jornais bracarense e fiquei preso a uma notícia que dava conta que, nessa manhã, ia a sepultar, na Vila das Aves, o Padre Fernando de Azevedo Abreu. Sabia da sua doença anunciadora deste desfecho, mas a verdade é que nunca estamos preparados. Da última vez que falara telefonicamente com ele, notava-se a sua consciência de que ainda havia muito a fazer, mas também se podia sentir, diria mesmo, tocar a serenidade de um justo que, sem medo, se prepara para o encontro com o Criador, como estava sereno.
Soube que, ele próprio, escolhera as leituras para a sua Missa de corpo presente, tendo deixado a escolha do Evangelho para o padre que presidisse à Celebração, até neste pormenor o Pe. Fernando Abreu manifestou discernimento!
Conheci este assistente do Escutismo Católico Português, bem no princípio dos anos setenta, do século passado, no Campo de Férias da Apúlia onde o Assistente do Agrupamento de Lousada acampava e fazia animação pastoral, nos tempos de verão.
Era, nesses tempos, um jovem padre que nos cativava pela sua singularidade, como se dizia entre nós, era um padre dos novos tempos, o curioso é que os mais adultos, como por exemplo os meus pais, gostavam imensos da sua animação nos fogos de conselho, das suas celebrações e dos jogos que promovia. Hoje, diria que era um Padre de “Banda Larga”, pois tinha largura de banda para todas as idades, desde Lobitos (6 anos) até aos nossos pais e alguns avós que por lá passavam ao fim de semana.
Mais tarde, quando, no Campo Escola de Fraião, frequentei a parte prática do Curso da Insígnia de Madeira (Exploradores), de 20 a 28 de agosto 1977, reencontrei o Pe. Fernando nas funções de Assistente do Curso, havia formandos de quase todas as Regiões (Dioceses) do país todos os jovens dirigentes, uns bem mais jovens do que outros, todos apreciávamos a orientação que dava às suas unidades de formação, mas sobretudo às suas celebrações, retenho vivo na minha memória o conselho que nos deu, após uma Celebração Eucarística, muito à frente do seu tempo, quando, nas palavras de despedida, nos dizia “agora não vão pedir ao vosso pároco, ainda que não tenha sessenta anos, que celebre desta forma a Liturgia de domingo”.
Assim, foi com naturalidade que, quando fui indicado para ser o chefe do Campo da II Secção do Acampamento Nacional de Ílhavo, que se realizou de 5 a 13 de agosto de 1978, o escolhesse para ser o Assistente do Campo Júnior.
A sua ação foi muito importante para a renovação da espiritualidade em campo, que era vivida de forma contínua e permanente, era o centro da ação educativa e não a periferia, como normalmente acontecia. Rara era a quinzena que não me deslocasse a Lousado para trabalharmos o programa. Oh! O que aprendi e que útil me foi para quando tive, 6 anos mais tarde, que lançar as quatro propostas educativas do CNE. O Pe. Fernando, embora não fazendo parte da equipa a quem foi atribuída tal missão, foi o meu conselheiro particular nos momentos mais difíceis e sobre os temas mais complexos.
Em agosto de 1980 o Pe. Fernando Abreu deu-me a alegria de presidir ao meu casamento, no Santuário de Nossa Senhora de Porto de Ave, na Póvoa de Lanhoso.
Aquando da nossa última conversa, perguntou, como sempre o fazia, pela esposa e, depois de ouvir que estava bem, que lhe desejava as melhoras e que estava a contar com ele para as bodas de ouro, retorquiu com aquela voz serena, amiga e verdadeira, fostes “bem casado...”, já quanto ao convite envia-mo com tempo para eu obter as imprescindíveis autorizações...
Naturalmente que na manhã de ontem fui, bem cedo, para a Vila das Aves, ia tão perturbado que me perdi, num trajeto tantas vezes percorrido. No final do funeral, sentei-me no carro e fiquei pensando que perdera um verdadeiro amigo, um valioso tesouro, e veio-me ao pensamento aquele poema da Santa Teresa d’Ávila “Nada te perturbe”, poema feito canção e oração, retendo-me nos três últimos versos “Quem a Deus tem, / nada lhe falta. / Só Deus basta.”
Despedi-me mentalmente do amigo, já não perdido, mas reencontrado no coração. Pensei no Corpo Nacional de Escutas que perdera um Assistente de Excelência e na Igreja/sociedade que vira partir um verdadeiro Bom Pastor, pois não tinha receio de procurar a ovelha tresmalhada e regressei a casa, procurando não me perder no caminho, alegre porque um dia, também fui, por ele, encontrado.
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