Há alguns dias, um pouco por todo o país, quase cinco décadas de democracia foram festejadas, com mais ou menos pompa e circunstância, com discursos mais ou menos inflamados, e com o habitual rol das conquistas feitas, conforme os “gostos” dos poderes instituídos.
No período que antecedeu a efeméride, as Escolas investiram na dinamização de atividades que trouxeram à atualidade a razão pela qual a data é assinalada de forma tão entusiástica, recordando os fatores históricos que provocaram as mudanças operadas e levando os alunos a refletir sobre as assimetrias entre o antes e o depois, com especial ênfase nas alterações a nível social.
Embora fazendo parte das aprendizagens da disciplina de história, em que a abordagem é feita de forma mais aprofundada, as atividades resultaram do trabalho de articulação entre várias disciplinas do currículo, pelo que as Comunidades Escolares acabaram por ser globalmente envolvidas, através de dinâmicas mais ou menos ativas.
De um modo geral, os alunos foram chamados a viajar no tempo, muitas vezes através de relatos vivos pela voz de quem experienciou uma época que marcou a nossa história, como aconteceu numa das Escolas do 1º. Ciclo do Agrupamento de Escolas Gonçalo Sampaio, em que, no âmbito do Projeto Avós Virtuais, os “Avós” partilharam passagens das suas vidas.
Mas a ação da Escola não se limita a atividades pontuais de reflexão sobre a importância e o impacto das mudanças introduzidas, nem a estudos comparativos entre o antes e o depois, já que lhe cabe o papel de, diariamente, exercitar com os alunos os princípios que subjazem a uma sociedade que se autoproclama de democrática, pese embora a realidade nem sempre estar em conformidade com a “doutrina”.
E, assim, mais uma vez, o investimento da Escola na formação de uma geração que possa participar, ativa e responsavelmente, na sociedade, entra em colisão com o mundo para além dos portões em que ainda “se abriga”, o que não seria alarmante se estivéssemos a reportar-nos, apenas, a alguns exemplos avulsos de atropelos.
Acontece, no entanto, que, lamentavelmente, avulsos começam a ser os exemplos de práticas verdadeiramente democráticas, em que os valores apregoados resultem de relatos reais e não de intenções adiadas, ou nunca equacionadas, o que perverte toda a acção da Escola, contribuindo para o clima de desrespeito que prolifera, e que começa a impactar, seriamente, o desenvolvimento das aprendizagens e a penalizar uma margem, ainda significativa, de alunos.
Vivemos tempos controversos, em que os valores democráticos que transmitimos aos alunos são postos em causa por um modelo de sociedade que cresce, de forma galopante e impune, e que, no futuro, será retratado nos manuais escolares da disciplina de história, auguro que não pelos melhores motivos, se não agirmos em defesa da tal democracia que inflama os discursos anuais que arrebatam multidões.
Será que os pais ainda não se aperceberam das discrepâncias entre os valores que incutimos e os exemplos, práticas reais, da sociedade em que vivemos?
Será que não se questionam quanto às repercussões na formação dos filhos e no futuro que estão a construir?
Será que o erro está na Escola que, parada no tempo, não se apercebeu da alteração aos valores democráticos que passaram a deturpar o verdadeiro significado da democracia?
Provavelmente, o erro está na história…