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A doçura que resiste ao tempo: os rebuçados do Senhor e a alma quaresmal de Braga

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A doçura que resiste ao tempo: os rebuçados do Senhor e a alma quaresmal de Braga

Escreve quem sabe

2025-04-12 às 06h00

Palmira Brandão Palmira Brandão

Em tempos de crescente modernização e de rotinas apressadas, poucas tradições resistem ao tempo com a delicadeza e o simbolismo dos “rebuçados do Senhor” em Braga. Inseridos no contexto do Lausperene - uma prática quaresmal que remonta a 1710 e foi instituída pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles - estes doces são mais do que simples guloseimas: são testemunhos vivos de uma fé que se manifesta também através do sabor.
Durante o período quaresmal, Braga transforma-se. A cidade, já profundamente marcada pela religiosidade, ganha nova vida com a exposição eucarística sucessiva em várias igrejas. Esta celebração, rica em espiritualidade e simbolismo, atrai devotos e curiosos. Mas há também outro protagonista nesta cena: a figura quase lendária das rebuçadeiras.

São mulheres de gerações passadas e presentes, munidas de sacos de papel colorido e sorrisos pacientes, que ocupam as portas das igrejas com uma missão tão doce quanto resiliente. Vendem rebuçados artesanais, feitos a partir de uma simples calda de açúcar - doces que, em tempos idos, foram sustentáculo económico de muitas famílias e que hoje sobrevivem, em grande parte, por devoção à memória cultural.
É neste cruzamento entre o sagrado e o profano que o Lausperene adquire um carácter singular. Dentro dos templos, a fé manifesta-se em silêncio, em oração, em adoração; no exterior, é celebrada com a alegria simples de um rebuçado partilhado, um gesto que une gerações.

Historicamente, o caramelo tinha também uma conotação medicinal e era tolerado durante o jejum. Tornou-se, assim, símbolo de uma doçura permitida, quase litúrgica, num tempo de privação e introspeção. Em Braga, o hábito de consumir caramelo está documentado desde o século XVII - prova da longevidade de uma prática que continua a adoçar a alma bracarense.
Hoje, num mundo que tantas vezes esquece as pequenas maravilhas do quotidiano, estas mulheres persistem. Vender “rebuçados do Senhor” já não é, para muitas, uma questão de sobrevivência, mas um ato de resistência cultural e afetiva. É uma herança que se leva no coração e que se oferece, com orgulho, aos que por ali passam.

Cabe-nos, como comunidade, reconhecer o valor destas tradições. Que não se perca a doçura que habita nas mãos das rebuçadeiras, nem o sentido profundo de um gesto que transforma uma simples guloseima numa oferenda de fé. Que Braga continue a ser, na Quaresma e sempre, exemplo de como o passado pode e deve conviver com o presente - com sabor, com alma e com respeito pela memória.

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