Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2024-09-17 às 06h00
Há quase 20 anos, a JovemCoop desafiou a Junta de Freguesia de S. Victor a realizar uma atividade de consciencialização cultural e patrimonial, dirigida às gerações mais novas.
Esta iniciativa, denominada de “O Nosso Património”, visava fazer um levantamento do património arquitetónico existente, bem como recuperar alguns testemunhos do passado, nomeadamente, enaltecer a antiga padaria da Rua S. Victor, o sapateiro que tinha sido o último regedor, os testemunhos vivos de quem havia trabalhado nas Fábricas de Chapéus, entre outras preciosidades.
“O Nosso Património” já contou com a participação de mais de 500 jovens, que puderam ficar a conhecer o sítio onde nasceu S. Victor, o local onde foi degolado, ficaram a conhecer a história dos azulejos da Igreja paroquial, bem como a história das Sete Fontes, da Igreja da Senhora-a-Branca, Capela de Guadalupe, do Palacete Mattos Graça, entre outros.
Um dos locais, classificados como Imóvel de Interesse Público, que mais curiosidade suscita aos participantes é o Recolhimento de Santa Maria Madalena, mais conhecido como Casa das Convertidas.
Este monumento, tutelado pelo Ministério da Administração Interna, foi assim classificado em 2012 e criou-se a expectativa que essa atribuição potenciaria uma recuperação do imóvel e que este voltaria a abrir portas para fruição da população.
Em finais de 2012, num debate organizado conjuntamente entre a associação BragaMais e a JovemCoop, além da historiografia do local, a população ficou a saber que houve projetos e vontades para aquele espaço situado na Avenida Central, mas que por falta de iniciativa política ou por excesso de intervenções de agentes partidários, o imóvel continuou ao abandono.
A História da Casa das Convertidas conta-se, por isso, numa singular estratégia de abandono deste monumento do barroco, com responsabilidades coletivas neste alheamento dos encargos de quem deve proteger o património.
A Casa das Convertidas, tendo sido fundada em 1722, tinha, por missão, acolher “mulheres de má conducta”. Esta obra foi pensada e executada pela égide do arcebispo D. Rodrigo Moura Telles, que acabaria por cunhar a sua presença através da colocação do seu brasão em, pelos menos, quatro locais (Altar-Mor, Arco-cruzeiro, Púlpito e por cima da porta da entrada do edifício). Mas a obra do arcebispo também fica registada através da colocação da Cruz Patriarcal (ou dobrada, com dois braços), símbolo do poder do Arcebispo.
A Casa das Convertida tinha, encimando a sua cobertura, no extremo nascente, uma Cruz Dobrada, que fazia parte deste conjunto monumental e que estava, portanto, classificada como Imóvel de Interesse Público.
Com as obras no antigo Lar da Senhora Maria Teresa Viana Palha que transformaram aquele espaço num hotel, a Cruz Dobrada foi retirada, supostamente porque terá sido derrubada e partida. Os promotores da obra, com uma insensibilidade patrimonial, colocaram uma cruz sacerdotal, isto é, uma cruz normal de um braço onde anteriormente estava a cruz de dois braços. E ninguém deu explicações sobre o sucedido, nem falou em processo de restauro.
Este atropelo desvirtua a memória do espaço, desrespeita o património e ultrapassa a lei de proteção do património. Além de que faz dos cidadãos uns ignorantes, assumindo que na distração, ninguém daria conta da diferença.
Preocupante é perceber, num caso real, como a Direção Geral do Património não tem capacidade de fiscalizar os Monumentos que tutela; o Ministério da Administração Interna não tem capacidade de gerir o seu património; a Câmara Municipal de Braga não tem um departamento de fiscalização e de património cultural que consiga validar uma estratégia de conservação de um monumento barroco.
É lamentável que Braga entre no ano da Capital Portuguesa da Cultura, em 2025, de uma forma culturalmente amputada nas suas evocações patrimoniais. E a atividade “O Nosso Património” também deveria ser participada por adultos com responsabilidades políticas.
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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