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A Casa de Chocolate

‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações

A Casa de Chocolate

Voz aos Escritores

2019-05-24 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

A minha casa de chocolate é uma casa de acolhimento. As suas paredes acoitam crianças e jovens de famílias afectadas por vastos problemas. São famílias instáveis, desmembradas pelo infortúnio, famílias desesperadas. Não os julguem, estejam calados, apontar é fácil, não critiquem os malogrados. Nem todos nascemos em berços ornados.
Que sabemos nós de outros fados?
A casa onde cresci é de chocolate. Nesse lar não há a bruxa má, velha encarquilhada, marreca, peçonhenta, de verruga no nariz encurvado e pêlo na venta. A bruxa que prende meninos e os anafa de gulodices. A bruxa que os quer a roliçar para deles se empanturrar.

A casa onde cresci é de chocolate. Nesse lar não há um gato preto, nem um corvo agoirento, sequer um caldeirão enfarruscado ou um portão trancado. Não há uma floresta densa a rodear o meu lar. Mas na minha casa de chocolate, como na dos irmãos Grimm, há um valioso tesouro e uma doçura sem fim.
Eu e as outras crianças não somos o Hensel e a Gretel, personagens ficcionadas pelos progenitores abandonadas. A nossa casa de chocolate não é um mal menor, como o Mundo costuma chamar-lhe. A nossa casa de chocolate é um bem maior. Um lugar onde existe segurança, aconchego, hospitalidade, consideração, humanidade. Um lugar onde nos ensinam a não mentir, não roubar e não desrespeitar. Numa geração que não tolera o “não” na educação, que cresce na superprotecção, numa fabulação que foge ao real e gera desilusão, na nossa casa de chocolate o estruturante “não” é dado alternado pelo pão, a palavra de alento, o beijo e o chi-coração.

Na minha casa de chocolate acolhem-se crianças e jovens. Evita-se a delinquência. Promove-se a formação. Para uns é fácil a integração. Entre todos há colaboração. Os mais velhos aos pequenos dão a mão como fazem a um irmão. Para outros é mais difícil. Trazem laços afectivos, trazem as memórias do coração. As crianças têm uma invulgar capacidade de aceitação. Embrenham-se no grupo, fazem amigos, procuram a felicidade, convivem na fraternidade. A diferença de idades é salutar. Os mais velhos esclarecem as regras da casa, regras claras, impostas desde o início. Os mais novos acatam-nas. Admiram os mais velhos. Imitam-nos.
Na minha casa de chocolate há adultos empenhados no bem-estar de todos nós. Homens e mulheres que transmitem valores, acompanham os estudos, estendem louvores. Homens e mulheres a nobres causas dedicados, a ofertarem protecção, a distribuírem cuidados, a acenarem orientação. Homens e mulheres que fomentam a ligação à família, que não se arrogam a substitui-la. Estão sempre lá para nós, noite e dia, no contentamento e na agonia, a darem abraços e chocolate aos pedaços.

Há dias em que as doces paredes da minha casa ficam amargas. O Mundo rebaixa-nos, faz-nos diminuídos, ficamos feridos. O Mundo diz que somos pobretanas, malcomportados, bandidos. O Mundo proíbe-nos de namorar e de fazer amigos. Nalgumas entrevistas de trabalho somos preteridos. O Mundo receia os acolhidos. É grande o preconceito que vem do desconhecimento. É grande a rejeição que vem da injusta condenação. As ideias pré-concebidas são duvidosas, condicionam o preconceito. A comunicação social publicita o estigma, abusa do sensacionalismo, alardeia histórias plangentes, exibe cenas teatrais, peças comoventes. As redes sociais deturpam os factos e iludem os crentes. A casa de acolhimento é alvo fácil de difamação. Cessem a especulação. Procurem a verdadeira informação. Também somos do Mundo, um Mundo que nos demanda coragem.
Na minha casa de chocolate há um tesouro de incalculável valor. Uma arca de compreensão, bondade, aceitação e louvor.
Na minha casa de chocolate há amor. Não a derretam, por favor.

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