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A beleza das palavras

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A beleza das palavras

Voz aos Escritores

2024-10-18 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

Conheço vários livros com este título. Haverá, com certeza, pelo menos um em todas as línguas do mundo, tão relevante é o tema para qualquer utente. E digo-o porque os poetas, esses lambedores de palavras, nascem como fisális em todas as terras férteis, e vão semeando aqui e ali formas e sentidos que florescem e nos oferecem simplesmente aquilo que definimos como sendo a beleza. Li há pouco tempo, por exemplo, «La beleza de las palabras», de Mario Escobar, escritor que mergulha frequentemente nos anais de história, nos corações e na sua representação na própria escrita. Nada li, ainda, de Juan Valdés, mas, porque me diz Escobar serem verdadeiramente belas, fá-lo-ei na primeira oportunidade.
Por ter gostado do título, comprei «La beauté des mots», de Hortense Ménard, e fui sentindo as implicaturas de um diário, cheio de sentimento e beleza. Porque domino bem as línguas francesa e espanhola, vou-me desta forma apercebendo de que as palavras que compõem o léxico das línguas possuem, todas, um potencial estilístico formidável que se liga, por um fio de Ariadne indecifrável, à mente e ao nosso coração. Seguindo a sugestão de Rodrigues Lapa na sua «Estilística da Língua Portuguesa», tratar-se-á efetivamente de um quesito estilístico ou, pelo contrário, o que se releva é o facto emocional, concluindo-se que tudo sobressai em síntese? Sugerida como sendo das mais belas palavras em língua portuguesa, como se compreende que, em determinadas geografias glóticas, a palavra «rapariga» seja das mais feias, praticamente interdita? Porque se discute o uso universal do «tu» referencial, em detrimento de fórmulas, algumas fossilizadas, que ultrapassam a zona estética?
Terão a ideologia e a estratificação social primazias sub-reptícias sobre a «beleza» do que é dito ou escrito, dominando discursos e impondo ditatorialmente formas de dizer? Há dias, o treinador do Benfica, Bruno Lage, corrigiu três vezes um jornalista que se referira a Rui Costa de forma neutra, dizendo «presidente» de forma impositiva. Isto é, Lage queria impor a outrem aquilo que ele entendia como sendo correto, ou politicamente correto, ou belo, recebendo em contrapartida alguma ironia, sorriso e resposta zero de um jornalista impávido e sereno. Que relevância tem a palavra «presidente» no universo linguístico português? Tem força institucional, é bela, ou preenche algum lugar específico na mente preocupada do treinador do Benfica?
Discussão acesa rodeia, de modo equivalente, as formas de tratamento institucionalizadas na nossa martirizada língua. Cuidado com o «tu», porque igualiza os interlocutores, e alguns não querem, sentem-se insultados. Situarem-se ao nível da plebe, não, que são engenheiros ou doutores. O mesmo para a palavra «você», respeitada a norte e vilipendiada a sul, embargada de preconceitos, mas não de beleza. Serão, decididamente, belas as palavras, e em que consiste tal beleza? Perguntas feitas neste âmbito a utentes de várias línguas realçaram algumas palavras, sendo «nostalgia» a mais comum. «Papillon», «sonrisa», «eonia», «auguri», «carinho» ou «habseligkeiten», surgem, em francês, espanhol, grego, português ou alemão, como das mais bonitas. Para um português emocionalmente empedernido, que caminho sensitivo deve percorrer para ver beleza na palavra alemã «habseligkeiten»? Fora da cultura e do sistema fonológico alemão, desconhecendo a força do significado e dos sentidos que resultam do uso da palavra, esta palavra alemã será sentida como absolutamente feia. Imagino que «carinho», palavra portuguesa tão bela, valerá menos que zero no sistema estético alemão. Definitivamente, as palavras são «belas» numa determinada cultura, porque, além de possuírem sonoridades agradáveis, mobilizam sentidos e formas de sentir muito específicos, incapazes de serem pressentidos noutras línguas.
Há tempos, contactei com «The beauty of words», da jovem nigeriana Elizabeth O. Ogunmodede, compilação de poemas que, como todos os poemas, navegam no labirinto das emoções humanas. E fixei belezas linguísticas que se espraiam, da mesma forma sensitiva, em poetas portugueses extraordinários. A beleza das palavras está no coração das coisas, no modo como as lemos e sentimos, na profundidade do seu relacionamento com os nossos sentimentos e emoções. Digam-me uma coisa: das palavras «violeta» e «julieta», qual delas é mais bela? E porquê?

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