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Braga, terça-feira

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A bacia cor de laranja

A responsabilidade de todos

Conta o Leitor

2021-07-23 às 06h00

Escritor Escritor

Carlos Azevedo

Em meados dos anos 70 do século XX, mais precisamente no ano de 75, estava eu juntamente com as minhas irmãs, ali no passeio em frente à loja, a ver as pessoas a passarem de um lado para o outro apressadas nos seus afazeres, e nos seus pensamentos. Umas paravam de vez em quando para apreciarem as cores vivas que eu e minhas irmãs ostentávamos; vermelhas, verdes, azuis e amarelas. Os tamanhos também eram apreciados, havia pequenas, médias, rasas e fundas, mas, nenhuma das minhas irmãs eram como eu.
As pessoas ficavam admiradas comigo.
No meio das minhas irmãs, eu chamava a atenção, pois era a única no tamanho, na cor e também na profundidade.
O meu tamanho grande, cerca de 100cm de diâmetro, com uma profundidade de 40cm, era de fazer arregalar os olhos em quem me via, mas, o que chamava mais a atenção era a minha cor, esta destacava-se no meio das outras minhas irmãs.
A cor de laranja vivo era realmente muito atraente.
De vez em quando, uma das minhas irmãs lá ia para casa de alguém, quando isso acontecia iam sorridentes, com as suas cores vibrantes, iam servir a dona que as comprava. Eu ficava a olhar contente, mas ao mesmo tempo ficava triste pois ninguém olhava para mim com o mesmo interesse a ponto de me levar.
Então, num dia em que o sol sorria calorento, uma senhora pára em frente às minhas irmãs, pega numa delas, a mais atraente, de cor vermelha, nem era grande nem pequena, nem rasa nem muito profunda, mas foi a escolhida.
A senhora sorridente com um semblante de satisfação, ia já com a minha irmã debaixo do braço imaginando esta cheia de roupa, a ser lavada na ribeira ou no tanque, quando olha para mim com aquele olhar vivo e surpreso, quase incrédulo, pousa a minha irmã no chão, pega em mim, com alguma dificuldade e põe-me à cabeça e com uma resolução expressa no olhar coloca a minha irmã dentro de mim levando-nos às duas. Todos olhavam para aquela senhora, com uma "senhora" à cabeça, como uma coroa de uma rainha orgulhosa desfilando para os seus súbditos. A cor vibrante do laranja e o tamanho daquela "senhora" não era de todo indiferente aos olhares das pessoas que se cruzavam com a minha nova proprietária. Que orgulho, que alegria eu tinha em ser propriedade daquela senhora que agora me levava à cabeça, a minha irmã lá ia também mas sentia-se triste, pois ninguém a via apesar da sua cor ser mais chamativa.
Durante anos servi a minha proprietária, desde a lavagem da roupa nas águas de um ribeiro, ou no tanque da roupa em casa e mesmo no tanque público, onde as outras senhoras ali lavavam as suas roupas.
Elas ficavam admiradas com o meu tamanho e comentavam com a minha dona onde tinha encontrado uma tão grande como eu, pois as delas eram bem mais pequenas.
A minha proprietária sorria satisfeita e dizia que “foi sorte, era a única”.
Notava-se nas mulheres ali presentes, um olhar de admiração e talvez um pouco de inveja por não terem uma como eu. Era o orgulho da minha dona.
Além de ter servido na lavagem das roupas lá de casa e outros afins domésticos, também fui utilizada durante gerações como “banheira”, pelos filhos da dona, no primeiro banho dos netos e também no primeiro banho dos bisnetos. Mas, como tudo na vida, acaba, com o tempo fui perdendo a minha cor, do laranja vivo era agora ao fim de 45 anos um rosa desmaiado, quase sem cor, uma pequena rachadela era visível até ao meio do meu corpo, limitando a minha utilização, velha e gasta, já pouca utilidade tinha e aos poucos fui esquecida num canto do terraço lá de casa, ao sol e à chuva, abandonada e esquecida.
Às vezes ouvia a minha dona falar sobre mim, e notava na sua voz já cansada pela idade, um embargo que me entristecia, pois, ela e eu vivemos muitos anos servindo-nos uma à outra.
A bacia cor de laranja vivo “morria” agora esquecida pelas novas gerações, que outrora tinham utilizado a ela para o primeiro banho.

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