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A Arte da Abstenção: O Teatro Político Português

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A Arte da Abstenção: O Teatro Político Português

Ideias

2024-10-21 às 06h00

Pedro J. Camões Pedro J. Camões

Há momentos na política em que o silêncio diz mais que as palavras. O recente anúncio da abstenção do Partido Socialista na votação do Orçamento do Estado para 2025 é um desses momentos reveladores em que o não-dito supera em significado todos os discursos proferidos. Como num jogo de xadrez onde a ausência de movimento também é uma jogada, esta abstenção desenha um retrato preciso do atual momento político português.
Durante quatro semanas, o país assistiu a um elaborado ritual parlamentar. Os protagonistas movimentaram-se pelo palco político com a precisão de uma peça bem ensaiada: o governo defendeu suas propostas com convicção estudada, a oposição pronunciou suas críticas com indignação calculada, e o PS executou sua dança de equilíbrio entre a discordância e a não-obstrução.
Este baila político, no entanto, esconde uma realidade mais complexa. O partido que há pouco governava o país encontra-se numa encruzilhada estratégica: nem pode apoiar abertamente um orçamento que contradiz suas próprias políticas recentes, nem quer assumir o ónus de criar uma crise política num momento de particular fragilidade institucional.

A questão central não parece ser tanto o conteúdo do orçamento - sobre o qual o PS diz ter críticas substanciais e fundamentadas - mas o timing político. O partido sabe que uma crise orçamental agora poderia precipitar eleições antecipadas, um cenário para o qual não está preparado nem interessado. A memória recente de outras crises políticas semelhantes pesa nas decisões do presente.
O paradoxo desta situação é revelador: um partido que se afirma como alternativa de governo escolhe não se posicionar decisivamente sobre o principal instrumento de governação. É como se o medo do futuro paralisasse a ação no presente, transformando a abstenção não numa posição política, mas numa confissão de impotência estratégica.

Esta postura levanta questões importantes sobre o funcionamento do nosso sistema democrático. Quando o principal partido da oposição opta por se abster em votações cruciais, não estará a contribuir para um esvaziamento do debate político? Não estará a transformar o parlamento num palco onde o confronto de ideias é substituído por uma coreografia de sombras?
O mais preocupante é que esta não é uma situação isolada, mas um sintoma de um padrão mais amplo na nossa democracia. A tendência para evitar confrontos decisivos, para adiar decisões difíceis, para preferir o compromisso ambíguo à clareza das posições, tem-se tornado uma característica definidora da nossa vida política.
Enquanto isso, os problemas estruturais do país - da saúde à educação, da justiça à habitação - aguardam por respostas efetivas. O contraste entre a urgência destes desafios e a lentidão das respostas políticas torna-se cada vez mais gritante.

A abstenção do PS no Orçamento do Estado ficará assim como um símbolo deste momento político: um tempo em que os grandes partidos parecem mais preocupados em não perder do que em ganhar, em não errar do que em acertar, em não decidir do que em escolher caminhos. É uma estratégia que pode funcionar no curto prazo, mas que deixa um vazio perigoso no centro do debate democrático.
Como parece ser sempre em Portugal, ficamos à espera que o futuro resolva os problemas que o presente se recusa a enfrentar.

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