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A armadilha da gratuidade universal

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A armadilha da gratuidade universal

Escreve quem sabe

2025-02-18 às 06h00

Vítor Esperança Vítor Esperança

Quem acompanha a informação económica conhece a frase popularizada por Friedman: “Não há almoços grátis”. Quis o economista dizer-nos que tudo tem um custo associado, um valor/preço que alguém terá que pagar, direta ou indiretamente. Dentro deste contexto, analiso o que se vem passando com a prestação gratuita e universal de determinados serviços públicos, como se tal fosse a via mais justa para cumprir os objetivos do Estado Social (E.S.). Esta prática, bem aceite por todos (quem é que não quer borlas?) pode criar constrangimentos à sustentabilidade futura do próprio E.S., nomeadamente nas áreas da saúde e educação, devido à crescente e continua exigência financeira neste tipo de apoios, seja pelo envelhecimento da população e correspondente alteração da “pirâmide etária”, seja pelo aumento dos investimentos inerentes a novos e sofisticados equipamentos e à medicação de ultima geração, ou porque outos investimentos públicos se coloquem prioritários.
A gratuidade universal é também seguida por algumas Autarquias, como a de Braga, como é exemplo a oferta de manuais escolares.
Temos que ter consciência que todos estes apoios são pagos pela receita pública, nomeadamente pelos impostos que todos querem ver diminuídos.
Esta oferta universal é justificada como certa, porque não discrimina negativamente ninguém, uma vez que a justiça social inerente ao E.S. é já feita na aplicação de taxas progressivas no IRS. Apesar de se aceitar correta a aplicação de impostos progressivos aos rendimentos, entendo que a diminuição das desigualdades sociais é mais justa e eficaz quando os apoios sociais dados pelo Estado distingam e favoreçam os mais necessitados, o que não acontece se dermos o mesmo a todos.
A economia também nos ensina que o que é grátis tende a perder valor e qualidade. Sentimos esta verdade quando olhamos para a crise sistémica que persiste há anos nos hospitais e nas escolas deste país, quiçá e em resultado da falta de incentivo à sua melhoria, dada a forma indiferente como muitos desses serviços são oferecidos a todos, ou talvez porque os objetivos universais apenas são avaliados agraves do número de apoios oferecidos, em desfavor da qualidade que o modelo da gratuidade não requer. Como diz o ditado popular: “a cavalo dado, não se olha o dente”. O aumento de qualidade acrescenta valor. O valor não pode ser um conceito teórico. O valor deve ser quantificável, não necessariamente e apenas em dinheiro, mas na avaliação do nível de qualidade dos resultados obtidos, valorização que os utentes saberiam medir se lhes fosse permitido escolher, se sabidos os reais custos dos serviços prestados.
Custa-me a aceitar como normal o crescimento dos cidadãos que optam por prescindir dos apoios gratuitos oferecidos pelo Estado, preferindo pagar os mesmos serviços, ou parte deles, ao mercado privado.
O que diferenciará os serviços oferecidos pelos hospitais privados? Sabemos ainda que os hospitais privados se fazem pagar pelos serviços que prestam, cobrando a maioria destes aos sistemas de seguros privados, tendo peso significativo o sistema público da ADSE. Todavia, se os mesmos cidadãos, subscritores dos mesmos seguros, recorrerem aos hospitais públicos, ficam dispensados de quaisquer pagamentos, e de indicarem os seus seguros para eventual coparticipação financeira nos gastos correspondentes, uma vez que aqui se aplica a tal gratuidade universal. O resultado final é o favorecimento indireto do Estado aos Sistemas de Seguros à Saúde.
Porque é que o Estado não pode fazer o mesmo dos hospitais privados? Não sendo o Estado monopolista, qual a razão por que não pode usar as mesmas regras de competição do mercado?
Claro que a saúde não é apenas mais um serviço, pois lida com princípios e direitos humanos básicos, mas isso não pode significar que muitos deles não devam ser parcialmente suportados por quem os pode pagar. O Sistema Nacional de Saúde deve garantir a assistência a todos, mas isso não pode significar gratuidade universal.
O Estado, embora por outras razões, já experimentou o pagamento de serviços quando introduziu as taxas moderadoras, mas logo o “mundo dos direitos universais inalienáveis” se indignou. Dá trabalho aferir quem pode, ou não pagar. Sim, mas hoje existem ferramentas informáticas que ajudam a faze-lo com mais eficácia e justiça, sendo ainda necessário deixar cair algumas das limitações na inacessibilidade e no cruzamento de dados da riqueza dos cidadãos.
Embalados nesta armadilha da gratuidade universal, e sem nos darmos conta, vamos destruindo o Estado Social, aumentando desnecessariamente as suas necessidades de financiamento. A sustentabilidade financeira destes serviços não é apenas uma questão de escolhas de prioridades nas opções políticas. É cada vez mais uma questão de dinheiro, e muito, sobretudo numa época histórica complexa que provavelmente nos vai exigir dinheiro para outras prioridades, como a defesa. Haja coragem política para acabar com os excessos do dar o que é de todos sem critérios diferenciadores.

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