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A alface e eu

“Portanto, saibamos caminhar e …caminhemos!”

A alface e eu

Ideias Políticas

2023-03-28 às 06h00

Fernando Costa Fernando Costa

Hoje acordei e fui fazer compras ao hipermercado mais próximo de minha casa. Olhando para os produtos essenciais que me faltavam, hesitei perplexo entre a alface frisada e a alface iceberg, com ambos os produtos acima de 3€ a unidade. A verdade é que, não obstante as minhas dúvidas de cariz doméstico, há uma certeza que tenho: já passaram dez anos desde a troika, e hoje deixamos mais alimentos no supermercado que deixávamos nesse período.
Pergunta imediata: qual a origem deste problema? Será, de uma forma abreviada, devido à ganância dos grandes retalhistas, apenas preocupados com o lucro e com as suas receitas em detrimento do consumidor? Ou será devido a uma inevitável subida de preços, resultante da subida dos fatores de produção, provocando um efeito dominó desde o setor agrícola até à secção dos legumes onde eu me encontro agora? Infelizmente, parecem apenas os dois cenários possíveis para um problema que promete ser, infelizmente, bastante mais complexo.
Enquanto me questiono, verifico que o Governo, numa postura já muito sui generis, no meio destas dúvidas, apresenta em grande pompa e circunstância, como se tratasse de uma medida radical, um chamado “Observatório de Preços”, quando se trata de algo que já existe desde… 2015. Tal como aconteceu com a habitação, António Costa e companhia continuam a mostrar que não são capazes de responder a uma iminente crise social com medidas prementes, recorrendo às tais “leis-cartazes” como referiu (e bem) o Presidente da República, para um virtual impacto a curto prazo mas sem interferência na vida dos portugueses.
A oposição mais à esquerda, no âmbito deste contexto, defende algo que, (in)felizmente, não é suportado por nenhum documento ou livro de economia: a fixação de preços. Tal como o comunismo, por mais simpática que seja a ideia, não há exemplo prático de onde ela possa ter funcionado. Portanto passemos esse cenário à frente, e regressemos à origem do problema.
Citando a própria Confederação das Cooperativas Agrícolas, os fatores de produção aumentaram em 27%, mas existiu também uma quebra de rendimento para os agricultores de 13%. Isto indica-nos o quê? Que além da quebra de rendimento, o setor agrícola encontra-se hoje num estado altamente precário, em grande parte devido ao aumento do preço dos fertilizantes, do gasóleo agrícola, e da energia – para não falar da seca – e com um apoio quase nulo da parte do Governo nesse sentido.
Ouvimos depois a Associação de Transportes e Mercadorias a dizer que os aumentos que existiram nos seus serviços dos transportes não justificam, de todo, estes aumentos nos preços dos alimentos nos hipermercados.
Onde está a diferença, portanto? Foquemo-nos então nos grandes retalhistas, que justificaram os seus lucros junto dos portugueses com inúmeras peças jornalísticas ao longo das últimas semanas, peças essas publicadas em jornais onde são acionistas maioritários. Difícil perceber o que podemos retirar daí, por variadíssimas razões que o leitor conseguirá pressupor.
Ficamos, uma vez mais, sem respostas. Ou, pelo menos, eu fiquei.
É nesse período interrogativo que o Governo apresenta o seu último ato desta peça, com o chamado IVA zero para os alimentos essenciais.
Sendo já uma clara melhoria na abordagem ao problema, fará sentido baixar o IVA quando os fatores de produção não baixam o suficiente? É possível o preço estabilizar enquanto não temos essa primeira premissa assegurada? Que margem de absorção da baixa do IVA terão as próprias distribuidoras? A verdade é que as faltas de respostas ainda continuam.
Mas a ausência de respostas também nos dá certezas. Certezas que precisamos de mais fiscalização, que a ASAE e o papel do regulador tenham mais força nestes processos. Precisamos de apoiar quem está a ter quebras neste momento, e não apenas intervir quando a bolha arrebentar. E com isso evitar, então, o tal efeito dominó e a ganância dos grandes retalhistas. Ou, pelo menos, a possibilidade de ambos existirem.
Até lá, abdico da alface. Amanhã talvez seja dia de ir ao mercado.

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