Marcelo, el rubialito?
Ideias
2020-12-27 às 06h00
Neste último domingo do ano de 2020 gostaria de fazer um pequeno balanço daquele que ficará marcado, indubitavelmente, como um dos mais desafiantes e que mais sofrimento gerou a nível global.
Três dias antes do Natal, o Papa Francisco considerou o ano, que agora está prestes a terminar, de “extraordinário sofrimento” provocado pela pandemia de Covid-19. Este sofrimento, segundo o Papa Francisco, advém do isolamento obrigatório a que milhões de pessoas foram sujeitas, à exclusão social provocada, consequentemente, pelo isolamento e pela crise económica crescente, à angústia provocada pelo estado atual da sociedade, a que ninguém estava preparado, dos quase três milhões de mortos provocados pela pandemia e, finalmente, de uma crise educacional sem precedentes.
A posição do Papa Francisco espelha fielmente o que ocorreu durante este ano fazendo recordar o de 1920, também um ano de extraordinário sofrimento, provocado pela Gripe Espanhola e por todas as consequências que daí advieram, especialmente as sociais e económicas.
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por algumas palavras e conceitos que não faziam parte do nosso léxico quotidiano. Desde logo começamos a usar termos como Covid-19, que inicialmente parecia longínquo, porque vinha lá dos confins da China; epidemia, nos meses de janeiro e fevereiro; depois, em março, outro mais nefasto, a pandemia, termo que passou a fazer parte, hora a hora, minuto a minuto, do nosso dia-a-dia.
Por outro lado, nunca, desde a ditadura, nos sentimos tão privados da nossa liberdade. Um confinamento fechou-nos em casa entre março e maio, semanas, dias, horas, que pareciam arrastar-se no calendário.
Além disso, o ano que está prestes a terminar ficou marcado por cercas sanitárias. A primeira em Ovar, que proibia a entrada e saída dos habitantes e mercadorias que não fossem indispensáveis à sobrevivência das pessoas.
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por palavras como zaragatoa, objecto usado para aplicar medicamentos ou recolher amostras para análise;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por palavras como máscara, termo a que estávamos habituados a ouvir por altura do Carnaval, mas que este ano passou a caraterizar também a peça usada para proteção da cara ou de parte dela contra o vírus que nos aflige;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por palavras como higienização, termo a que deveríamos estar habituados, mas que este ano adquiriu um significado maior, por ser essencial à prevenção do contágio viral;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado pelo novo método de ensino, especialmente nas escolas, politécnicos e universidades, e por palavras como a telescola ou aulas online;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado pelo papel que desempenham os lares de idosos, locais amplamente castigados pela presente pandemia, que continua a vitimar um número ainda incalculado de idosos;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por cancelamentos invulgares e inéditos de festas e cerimónias, com a suspensão ou limitação ao mínimo de eventos, como casamentos, batizados ou funerais, e de festas religiosas de grande impacto como as que ocorrem anualmente no Santuário do Sameiro, no Santuário de São Bento da Porta Aberta ou no Santuário de Fátima;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por cancelamentos de festas como: a das Cruzes, em Barcelos; as Gualterianas, em Guimarães, ou a emblemática Romaria d’Agonia, em Viana do Castelo. Eventos que nunca tinham sido anulados, em centenas de anos de existência;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por cancelamentos que ficarão para sempre nos registos da história, por impedirem a realização de cerimónias como a Páscoa, o Natal e até a passagem de ano;
O ano que está prestes a terminar ficou marcado por paragens e proibições jamais vistas, como as feiras, lojas, fábricas e ainda ao nível dos transportes, com a aviação a coroar todo este cenário surreal;
O ano que agora termina faz lembrar o ano de 1920, também ele marcado por invulgares acontecimentos e tragédias. O Natal celebrado há dois dias foi assinalado por um limite de pessoas que se sentaram à mesa, associado ainda ao receio que esse convívio possa trazer nos próximos dias. Foi o que se passou em 1920, tendo o Natal desse ano sido marcado por uma tristeza profunda, pois “…quantos chorarão a perda de entes queridos que ainda o ano passado tiveram a seu lado?!” (1).
À semelhança do Natal de 2020, o Natal de 1920 ficou marcado por limitações nas reuniões familiares, cujo receio e distanciamento foi uma característica dessa altura. “Quantos estarão longe da família a quem não se podem reunir nesta festa tão íntima e tão portuguesa!! E se nos lares de muitos há abundância, nos de muitos outros não a há e na miséria. E quem sabe se muitas famílias o ano passado eram remediadas êste ano não teem nem um bocado de pão?” (1)
A noite de Natal de 1920 foi semelhante à noite de Natal que ocorreu há três dias no nosso país e no mundo, ambas marcadas pelo esforço de todos por manterem uma tradição, mas neste caso de profunda tristeza, em muitos lares.
No Natal de 1920, “Quantos e quantos esperam a chegada dum filho, dum irmão ou dum parente” que lhes viessem trazer um pouco de paz de espírito. Para que os pudessem cumprimentar, para que com eles pudessem partilhar um pouco das angústias que marcaram o ano que estava nos seus últimos dias? Em 1920 muitos lares ansiavam por visitas de amigos e familiares que lhes viessem “trazer um bocado de pão para nesse dia mitigarem a fome!”, tal como há três dias muitos ansiaram pela presença de familiares e amigos, à mesa, na noite de Consoada!
A 30 de dezembro de 1920 Gomes da Rocha escreveu (2) que o ano de 1920 foi o “ano fatídico e trágico, que nenhuma saúdade nos pode deixar. A própria Natureza foi para êle madrasta!” tendo os últimos dias de 1920 sido marcados por tempestades marcadas por “chuvas impertinentes e incessantes, ventos agudos, sibilando, como gemidos de moribundos, neves que nos enregelavam até à medula dos ossos, naufrágios…”. Ontem, a Madeira foi afetada por chuvas intensas…
Gomes da Rocha despediu-se de 1920 desta forma: “Ano nefasto, ano corrupto, ano de 1920, vai-te, que nenhuma saudade nos deixas!”. O mesmo poderemos dizer deste ano de 2020: “vai-te, que nenhuma saudade nos deixas”.
1 - Notícias do Norte, 26 de dezembro de 1920
2 - Notícias do Norte, 2 de janeiro de 1921
01 Outubro 2023
01 Outubro 2023
Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.
Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.
Continuará a ver as manchetes com maior destaque.
Faça login para uma melhor experiência no site Correio do Minho. O Correio do Minho tem mais a oferecer quando efectuar o login da sua conta.
Se ainda não é um utilizador do Correio do Minho:
RegistoRegiste-se gratuitamente no "Correio Do Minho online" para poder desfrutar de todas as potencialidades do site!
Se já é um utilizador do Correio do Minho:
LoginSe esqueceu da palavra-passe de acesso, introduza o endereço de e-mail que escolheu no registo e clique em "Recuperar".
Receberá uma mensagem de e-mail com as instruções para criar uma nova palavra-passe. Poderá alterá-la posteriormente na sua área de utilizador.
Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.
Deixa o teu comentário