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Ideias
2019-10-14 às 06h00
1. “Política identitária”, para quem não sabe, é uma forma de politização baseada nos interesses e nas perspetivas de grupos sociais com os quais os cidadãos se identificam, por aspetos da sua identidade (baseada na cor da pele, no sexo, na orientação sexual, etnia, deficiências, origem geográfica, etc..). A luta por uma “causa” sobrepõe-se à ideologia.
Recentemente são vários os exemplos deste tipo de política. Na sua campanha eleitoral de 2016, Hillary Clinton invocou o “privilégio branco” como um aceno vazio aos jovens eleitores liberais. E, para algumas pessoas, usar uma t-shirt na qual se lê “feminista” e criticar celebridades pelos seus comportamentos é a única vertente da sua participação política.
Vejam ainda esta polémica que dividiu a cidade de São Francisco, nos EUA: a de saber se uns murais dedicados à vida de George Washington – o primeiro presidente da américa, que combateu e derrotou os ingleses e ganhou a guerra da independência - pintados na década de 1930, na escola com o mesmo nome, deveriam ou não ser destruídos, em sequência de queixas de alunos que se diziam ofendidos porque os murais revelavam que George Washington era proprietário de escravos. Para os apoiantes da “política identitária” a História não tem importância, pelo que, no caso em questão, até conseguiram uma meia vitória: os murais não serão destruídos, mas apenas tapados com panos, para não “ofenderem” ninguém…
O que pretendia afinal ser uma estratégia revolucionária para neutralizar movimentos opressivos tornou-se numa palavra de ordem perigosa e falível. O enfoque na identidade reduz a política ao que alguém é como indivíduo, não interessando a sua participação na coletividade e na luta contra uma estrutura social opressora. Na verdade, quando a identidade serve de base para as crenças políticas de alguém, ela mesma é, paradoxalmente, potenciadora de divisionismo e atitudes moralizantes, em vez de estimular a solidariedade.
2. Vêm as presentes considerações a propósito das recentes eleições portuguesas e da investidura de três mulheres afrodescendentes para o Parlamento: Joacine Katar Moreira, cabeça de lista do Livre por Lisboa, Beatriz Gomes Dias, nº3 do BE e Romualda Fernandes nº19 do PS.
Felizmente não se trata de facto novo na nossa política; no passado já vários afro descendentes foram eleitos. Mas o que é verdadeiramente novo e, quanto a mim, de enaltecer, é o facto de serem mulheres que pretendem dar voz a determinadas comunidades que, apesar de representarem uma percentagem significativa da população, são quase sempre esquecidas. Que bom é saber que o Parlamento pode representar todas as “franjas” da sociedade.
Posto isto, o que já não consigo entender, sinceramente, é desde logo a associação que é feita da luta dos grupos minoritários aos valores de “esquerda”. A História é pródiga em mostrar-nos que tal raciocínio não é necessariamente verdadeiro. Além de que certamente haverá grupos minoritários que não se reveem nas posições ideológicas de esquerda. E há direita, inserida no arco de governação, que de igual forma sempre colocou a proteção de minorias na sua agenda política.
Ainda, e tomando o exemplo de Joacine Katar Moreira, se por um lado considero ridícula e vergonhosa a recente petição para impedir a sua tomada de posse como deputada, por outro lado não posso deixar de manifestar que não me impressiona o discurso de um candidato que utiliza constantemente a primeira pessoa do singular no discurso de programa político – “eu gaguejo quando falo, não quando penso”, “eu sou negra”, “eu sou mulher e feminista”....
Estamos perante um exemplo nacional de “política identitária”, com os perigos de fracionamento que pode suscitar, ao invés da boa intenção à partida - de inclusão e de alargamento da representatividade. A busca por uma sociedade melhor não passa, no meu entender, pela luta “para que o mundo me reconheça”, pela defesa radical da individualidade. O país precisa de políticas e ideias transversais a toda a sociedade. Só assim se poderá obter a coesão democrática, a paz e a solidariedade.
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