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Ideias
2019-10-13 às 06h00
A morte de alguém, especialmente se for um amigo ou um familiar, implica sempre um momento de grande sofrimento, pois trata-se de ver partir do mundo dos vivos a pessoa que irá cumprir a lei do esquecimento.
O dia 1 de novembro, que se aproxima, é uma das ocasiões em que os cemitérios ficam repletos de pessoas, que prestam uma homenagem aos que já “partiram deste mundo”.
Sendo o funeral o último momento em que os familiares, amigos e conhecidos visualmente se despedem dos defuntos, esse é, também, o dia em que a família enseja realizar uma cerimónia fúnebre que honre o defunto. Para isso, é importante nas exéquias a participação de um número significativo de pessoas, de modo a demonstrarem à sociedade que a pessoa que acabou de desaparecer ficará na sua memória.
Desde o Antigo Egito que os familiares dos defuntos faziam das cerimónias fúnebres espetáculos mediáticos, afirmando dessa forma a posição social de quem acabava de morrer e da sua família. Para isso, contratavam mulheres que provocavam a emoção no enterro, fazendo-o através da forma como choravam. Essas figuras femininas ficaram conhecidas como as “carpideiras”.
As mulheres carpideiras vestiam-se de negro, com a cabeça inclinada e velada com um lenço preto, não tinham qualquer relação de parentesco com o defunto e choravam, de forma ruidosa e convincente. Aliás, quanto mais teatral e persuasório fosse o seu lamento maior era o seu honorário por esse serviço. Por outro lado, quanto mais notório, quanto mais aparatoso era o funeral, maior era o reconhecimento que a família obtinha da sociedade .
Quando, eventualmente, possamos imaginar que as carpideiras desapareceram há muito tempo de Portugal, podemos estar equivocados, pois estas mulheres, que choravam nos funerais, ainda há poucos anos existiam no nosso país, no Minho e também em Braga. Leite de Vasconcelos, na obra “Tradições” refere que na freguesia do Soajo, em Arcos de Valdevez, “…costumam ir as Carpideiras, mulheres com saia pela cabeça ao pé do morto, para o que recebem uma posta de bacalhau, um vintém de pão, e vinho ou dinheiro correspondente a um quartilho”.
Também o documentário, emitido em 1970 pela RTP, intitulado “O povo que Canta”, recorda as mulheres carpideiras existentes na zona do Soajo, que choram os seus mortos a troco de alguns alimentos. Nesse documentário, de Michel Giacometti, é referido que essas mulheres obtinham para os seus parcos recursos os lucros da choradeira fúnebre: "Choraste mulher, choraste...e recebeste o salário das tuas lágrimas... Agora foges por entre os Espigueiros que guardam o pouco daqueles que tão pouco tem...".
Em Braga era frequente, até há poucos anos, existirem mulheres que choravam nos funerais, mesmo não conhecendo o defunto. Algumas faziam-no de forma tão prantosa, que chegavam a deitar-se por cima do caixão, provocando o choque e a emoção em todos os presentes. Por muita resistência que alguns demonstrassem, também acabavam por chorar no funeral, tal era o pranto ali feito pelas carpideiras de serviço!
O papel destas mulheres carpideiras era também o de acautelar que algum parente do defunto passasse pelas cerimónias fúnebres sem chorar, pois essa postura não era bem vista pelos presentes.
Uma das últimas mulheres que chorava, por dinheiro, nos funerais em Braga, vivia na rua das Chagas, ali bem próximo da Sé de Braga, e morreu há pouco mais de seis anos. Chamava-se Teresa, vestia-se quase sempre de preto, e a sua função diária era a de frequentar as igrejas de Braga.
Logo pela manhã, Teresa, a carpideira, passava pela Sé e depois dirigia-se para as igrejas da Misericórdia, dos Congregados, do Carmo, do Pópulo, de São Victor, dos Terceiros, de São Vicente, de Santa Cruz, de São Marcos, de São João do Souto, da Lapa, de Nossa Senhora-a-Branca, de São Lázaro, da Cividade, de São Sebastião das Carvalheiras e até de Maximinos. No seu percurso diário, não dispensava a passagem pelo cemitério de Monte de Arcos. Nas igrejas, Teresa, a carpideira, observava cuidadosamente o cenário para ver se havia algum funeral onde pudesse verter as suas lágrimas e atrair os presentes com os seus prantos ruidosos.
Desde a morte de Jesus Cristo que as mulheres que viviam destas choradeiras nos funerais foi amentando. O Evangelho, segundo de S. Lucas (23, 27-28), refere que “seguiam Jesus uma grande multidão de povo e umas mulheres que batiam no peito e se lamentavam por Ele. Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes: «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos»”.
Apesar das carpideiras quase só existirem em regiões de África, Ásia e também no Brasil, torna-se importante recordar aquela que poderá ter sido a última carpideira de Braga: a Teresa, da rua das Chagas!
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