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Municipalização, quatro anos depois…

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Municipalização, quatro anos depois…

Voz às Escolas

2019-02-04 às 06h00

João Andrade João Andrade

Há precisamente quatro anos, em 2015, face ao avolumar dos ventos que apontavam nessa direção, escrevíamos aqui uma crónica contendo a nossa opinião relativamente à municipalização do ensino. Quatro anos volvidos, no final do mês de janeiro, é publicado o Decreto-Lei 21/2019, de 30 de janeiro, que alarga a entrega a todos os municípios continentais, quer o pretendam, quer o não pretendam, de competências na área da educação.
Ainda que modo mitigado, nessa transferência de competências, do que algumas das propostas mais radicais de há quatro anos, importa, ainda que talvez temporaneamente e com muitas zonas obscuras por clarificar, refletir brevemente sobre alguns aspetos do mesmo.
Para essa reflexão, e por ir ao encontro às preocupações que temos manifestado, recorremos à Recomendação n.º 1/2019, do Conselho Nacional das Escolas, relativa à matéria, também publicada no Diário da República da passada quinta-feira.

Uma primeira linha de preocupação consiste em que, se o objetivo é aproximar o locus das decisões do alvo das mesmas, deverá haver sempre uma reflexão sobre qual deverá ser esse locus de proximidade: se, em muitos casos, não temos dúvidas de que deve ser o município ou a comunidade intermunicipal, noutros casos não temos dúvidas de que será sempre o agrupamento escolas ou, até, cada uma das suas escolas.
Se, em termos abstratos, o atual Decreto-Lei manifesta alguma preocupação em salvaguardar o papel das escolas, obrigando, logo no seu Art.º 4.º, ao “respeito pela autonomia curricular e pedagógica dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas” e à “salvaguarda da autonomia pedagógica no exercício da atividade docente”, as escolas e os agrupamentos de escolas não tiverem recursos e espaço próprios para concretização dessa autonomia parcelar, estarão sempre dependentes de outrem para a sua concretização, construindo uma relação não de parceria, como aparentemente se intui da lei, mas sim uma relação de dependência. É nesse sentido que o Conselho das Escolas recomenda “que a transferência de competências para os órgãos das autarquias locais e entidades intermunicipais não se traduza numa relação hierárquica destas sobre os órgãos das escolas, mas apenas numa frutuosa colaboração entre ambas as instâncias.”

Como acabamos de referir, para que as escolas exerçam plenamente a sua autonomia, necessitam de recursos para tal. Mas o mesmo sucede com os municípios. Se o poder central pretende transferir-lhes competências, promovendo a autonomia e o poder local, deveria, obviamente, obrigar-se a transferir os imprescindíveis associados recursos. Sendo uma das áreas aparentemente menos claras e satisfatórias da proposta atual, originou que um fortíssimo defensor da transferência de poderes para os municípios, o Dr. Ricardo Rio, a tenha, até à data, e bem, recusado. Considera o Conselho das Escolas “que cada autarquia local só está em condições para iniciar, de modo responsável, o exercício das competências transferidas quando lhes forem afetos os meios financeiros necessários e dispuserem de recursos humanos com qualificação para o efeito, evitando-se, deste modo, assimetrias de qualidade e equidade no exercício das competências transferidas (…)”. Recorde -se, a este propósito, que o início deste exercício não tem que ocorrer antes de 1 de janeiro de 2021.” Recomenda, assim, o órgão, “que cada autarquia local só inicie o exercício das competências transferidas quando dispuser dos necessários recursos financeiros e dos adequados recursos humanos para o efeito.”

Não é muito compreensível e compaginável o discurso omnipresente de autonomia das escolas e dos docentes, com uma preocupação em lhes não lhes alocar recursos, particularmente financeiros, que giram autonomamente. Inclusive, é explícito no Decreto-Lei que um recurso que até agora constituía um forte instrumento de exercício de autonomia, identidade e/ou de investimento próprio das escolas, lhes será retirado. Falamos da cedência dos espaços escolares. Refere o presente Decreto-Lei no seu Art,º 47.º, que “a gestão da utilização dos espaços que integram os estabelecimentos escolares, fora do período das atividades escolares, incluindo atividades de enriquecimento curricular, compete aos municípios, e que a ”cedência de utilização de espaços nas condições referidas no número anterior é, obrigatoriamente, onerosa.”, sendo que se excetuam “a utilização de espaços pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada em atividades educativas, pelos próprios municípios no desenvolvimento das suas atribuições e competências, bem como pela freguesia em cujo território se situar o estabelecimento escolar e ainda pelas respetivas associações de pais.”. O Art.º 48.º acrescenta que o “fruto da receita da cedência de espaços prevista no artigo anterior é consignado a despesas de beneficiação, conservação e manutenção dos equipamentos escolares públicos ou dos espaços exteriores incluídos no perímetro dos estabelecimentos localizados na área territorial do município.” Ou seja, pode sair completamente da alçada das escolas. Também Conselho Nacional das Escolas emite uma forte recomendação recusando este princípio.

Reafirmando o que dissemos há quatro anos: as “alegadas transferências de responsabilidades para o poder local podem ocultar não mais que transferências de carga administrativa, encargos financeiros, ónus de eventuais insucessos e margem de implantação de opções políticas mais controversas. Pegando somente no contexto financeiro, a autarquia, até por muito mais próxima das evidências e da pressão para a resolução de problemas, poderá ter que acudir a necessidades das comunidades locais, muito para além dos valores que superiormente a tutela lhe disponibilizará.
Podemos, assim, também estar perante um processo de desresponsabilização do poder central, que oculte um desinvestimento ao seu nível na educação pública.”
No caso concreto da relação município/agrupamento de escolas, e para que seja clara o espaço de responsabilidade de cada uma das partes, pensamos que as competências a assumir pelos agrupamentos de escolas, para concretizar o seu espaço de autonomia, bem como os critérios de alocação dos pertinentes e necessários recursos, devem ser alvo de clarificador compromisso escrito, necessariamente público, que a todos vincule.

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