A responsabilidade de todos
Correio
2015-11-21 às 06h00
Pedro Rosário - Voluntário da ABRA
Estava numa paragem de autocarro, não acredito que com destino certo. Esquelético, chumbado em água e praticamente congelado, isso de certeza - naquela manhã chovia a potes e frio rachava. Passei de carro e vi-o. Coitado! - verbalizei.
Fui tomar o pequeno-almoço ao café do costume. Um galão a ferver e um pão com pouca manteiga, também como de costume. O ar condicionado debitava uma quente e agradabilíssima sensação de bem-estar.
Era dia de S. Francisco de Assis, padroeiro dos animais - para aqueles que não ligam puto a essas coisas informo que celebra no dia 4 de outubro. E nesse dia o pequeno-almoço não me soube como de costume. A imagem do gato azedou-me a refeição, que habitualmente me sabe pela vida. Mas fiquei consolado com o pensamento de o encontrar.
Do pensar ao agir foi o tempo de pagar a azedada refeição e de dar um salto até à tal paragem de autocarro, coisa aí para uns cinquenta metros e garantia de chuvada no lombo. E lá estava ele, tipo escultura de gelo, daquelas que vemos nos concursos dessas coisas. Não foi difícil apanhá-lo. As esculturas de gelo derretem devagar.
Levei-o de seguida a quem percebe de assuntos veterinários. Após o julgamento, a sentença: Prisão domiciliária até ordem em contrário. Explicou o juiz de turno: Está muito fraco, só pesa quatrocentos gramas e pode mesmo bater a bota. Só me faltava esta, estava tão bem quietinho! - ouviram os meus botões.
Bem, vou despachar a coisa para o gatil municipal, a ver se não perco a aula de RPM, a das 11 horas, no ginásio do costume. Nada feito. Aos fins de semana os gatos podem virar esculturas de gelo. Ordens superiores - exclamaram os funcionários. Lá se foi a aula de RPM e o raio do gato foi mesmo cumprir a medida de coação para minha casa, e ainda por cima sob minha custódia.
Improvisei, no sofá da sala, uma cama com uma manta - daquelas com que a BP, na troca de pontos, brindava os clientes. No primeiro dia só me lembro de ver o bicho a dormir submerso numa quente e agradabilíssima sensação de bem-estar, imagino que do tipo da que senti no café do costume na manhã em que o vi pela primeira vez.
Ao segundo dia fez-se luz dia e acho que o gato - na altura ainda sem nome - já dava por adquirido que eu era o seu melhor amigo. Não sei se merecia tal demonstração de afeto por parte do animal, o que sei é que a partir daquele 4 de outubro as aulas de RPM do costume deixaram de ter assim tanta importância.
Foram necessários quatrocentos gramas. Sim, esse foi o tempo que levei a encontrar o Francisco, nome que lhe dei em estima pelo padroeiro dos animais. Agora, passadas seis mil gramas, vemos juntos o Jornal das 9 na SIC Notícias, todos os dias - como de costume. Ele no meu colo. E os dois no sofá da sala, no mesmo onde pela primeira vez o Francisco encontrou descanso.
Espero que se sinta um gato feliz e que eu seja mesmo o seu melhor amigo.
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