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Voz aos Escritores

2018-06-08 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Éo final da semana de trabalho e o corpo parte-se em pesos. A professora teima e resiste. Empurra as forças à frente do duelo entre o corpo e a vontade. O tempo. É o Present Continuous, esse tempo que se refere a coisas que não são estanques. O que é estanque? Coisas que acontecem num momento. Coisas que não são estanques são as que não começam e acabam no mesmo momento. Que têm uma duração, que são contínuas.
- Professora, dói-me a barriga.
- Vem cá. Queres um chá?
Beija-lhe a cabeça à procura de quenturas que só existem por dentro. A cabeça roda em negação. Contínua é a dor de barriga. A professora faz uma massagem enquanto tenta continuar a explicação.
Um jato quente atinge o chão e termina com o mau estar duradouro. Não é o melhor exemplo de uma ação rápida que interrompe outra que estava a acontecer, mas é a que acontece.
Há alunos ausentes, doentes, mas o tempo é contínuo e é imperioso trabalhar. Currículo, currículo e mais currículo. Um dormiu mal por causa da irmã mais nova, outro está preocupado com os pais que têm andado a discutir e isso é uma ação contínua, não é professora? Outros ausentam-se em silêncios para viagens, fugas que os distraiam do que dói.

Ouviram, meninos? Neste tempo os verbos precisam de um verbo auxiliar, um outro verbo amigo que o venha ajudar porque o principal está cansado, está fraquito. Também eu, professora, precisava de uma ajuda. Vamos lá, que eu estou aqui: ideias arregaçadas e vontades aprumadas. Ai, professora, isto é difícil. Não, meus amigos, difícil é não tentar, difícil é não teimar, difícil é não acreditar que se é capaz.
Um momento, um retrato. Cada criança é una. Cresce com tudo o que a rodeia, de bom e de mau. Com os pais, a família, os amigos, os professores, os filmes, as músicas, os livros e até com os jogos. E se os bons exemplos são bons, os maus exemplos podem ser ótimos: acionam uma série de alarmes sobre um caminho que não queremos percorrer. E há quem queira separar uma coisa que complementa a outra, pelo que me lembro de uma colega que me disse no início da minha carreira: Ai do dia em que a escola desistir de educar. Ecos que nos ficam.

Numa sociedade em que as crianças passam mais tempo acordadas na escola do que em qualquer outro local, é fácil ver os pais a exigirem cada vez mais dos professores e da escola. Levantam-se questões de desconfiança, de exigências desajustadas e até de falta de respeito ou bom senso. De comunicação. E a criança cresce no meio disto, quando o ideal seria a escola e a família falarem a mesma linguagem.
Os pais trabalham mais, têm empregos mais exigentes, olham o futuro com incerteza e querem garantir a vida dos filhos traçada em linha definida até à idade da reforma. Deles. Essa angústia permanente e a transposição de frustrações ou arrependimentos, fazem as crianças verem-se a braços com uma escola a tempo inteiro, mais uma série de atividades extracurriculares, com o cérebro a carburar das 09h00 às 19h30 do dia. Uma marca de detergentes comparou o tempo que os prisioneiros têm ao ar livre e as crianças. Estas têm metade do tempo, 1 hora por dia, em média.

E então temos alunos esgotados no final de mais um ano letivo, onde já pouco ouvem e onde se habituam a fazer a corrida dos 100 metros rasos para cada momento de avaliação. E o gosto pela aprendizagem? E a maravilha da descoberta? Do conhecimento?
É preciso uma reforma, sim. Uma que faça os currículos ajustados às idades. Uma que coloque as universidades, centros de investigação por excelência, como centros de formação para os professores, principalmente nas áreas científicas, pedagógicas e neurológicas, afinal trabalhamos com o cérebro todos os dias. Uma que coloque o Homem e/ou a família no centro da base social, ao invés de avaliar o valor de cada um apenas pelo trabalho que tem.
Vem aí uma revolução tecnológica, como já falei na última crónica. Pode ser que ajude a prioritizar, se houver visão.
Entretanto, os professores resistem. Os pais resistem. E as crianças também.

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