Os bobos
Voz às Escolas
2014-11-17 às 06h00
A notícia não é recente mas a perplexidade mantém-se. O orçamento do próximo ano prevê um corte de 700 milhões de euros na educação. Dito assim, poderá nem parecer muito a alguns olhos viciados pelos números astronómicos que nos ilustram a crise: o défice, a dívida pública, os prejuízos dos bancos, as suas fraudes… enfim, os preços que temos a pagar por desvarios vários. Mas este valor corresponde a 11,3% de redução num orçamento que tem vindo a ser sistematicamente encurtado.
Estamos a falar de cortes na escola pública, na escola que assegura a educação à gigantesca maioria dos alunos deste país. Da escola que garante que ninguém fica sem o direito fundamental à educação. Da escola que assegura a integração de todos, independentemente da sua origem social, étnica, se tem necessidades educativas especiais e do seu rendimento económico.
Vejamos o que se passa com a redução das transferências de verbas do orçamento de estado para as escolas privadas com contrato de associação. Para estas escolas, a redução orçamental é de 1,1%. E não digo apenas 1,1% porque é, seguramente, uma redução relevante para quem tiver que gerir esse valor.
Mas comparem-se os valores percentuais. Verificamos que, na ótica de quem definiu o orçamento, a maioria dos alunos portugueses tem menor direito à educação que a minoria que frequenta escolas privadas. À maioria dos alunos do nosso país serão retirados mais de 10% dos recursos para que tenham a melhor educação possível e que possam atingir o sucesso escolar. Trata-se, evidentemente, de uma decisão, mais do que baseada em critérios económicos, de justiça ou de eficácia, reveladora de uma opção ideológica clara.
Independentemente de ser uma opção legítima, pergunto se essa opção política é transmitida claramente pelos decisores. Se não estará a ser aplicada com recurso a subterfúgios e associada a um discurso melífluo, que nas intenções expressas publicamente e nos intróitos dos documentos legais acena com a melhoria da escola pública mas, na prática e nos articulados desses mesmos documentos legais, torna a vida nas escolas um desafio permanente de sobrevivência à incerteza e às constantes alterações ao sistema de ensino.
Com isto não estamos a escusar-nos a ter uma gestão mais exigente e eficaz da escola pública. Preocupa-nos que este desequilíbrio no tratamento dos setores público e privado traga um, cada vez maior, desequilíbrio nas condições de aprendizagem dos alunos e que crie um fosso inultrapassável nas possibilidades de cada aluno cumprir, o mais plenamente possível, o seu potencial. Rejeitamos, por tudo isto, o custo, verdadeiramente incalculável, que poderá ter para o nosso futuro comum e as injustiças graves que, como é evidente, cria.
Se compaginarmos estas medidas com as recentes declarações de Merkel, com o ineditamente tumultuoso arranque de ano letivo, com o grau da contribuição da educação para o esforço de redução das despesas públicas e com a ausência de clareza quanto às grandes opções políticas para a educação, que possam transcender uma legislatura, ficamos profundamente apreensivos quanto ao futuro.
No entanto, avaliando o passado recente, temos a convicção de que as escolas farão mais um esforço no sentido de evitar que todas as perturbações e adversidades atinjam os alunos. E procurarão solucionar os problemas provocados pelos cortes orçamentais e encontrar alternativas para que os alunos atinjam o sucesso.
De facto, as escolas públicas, principalmente através dos seus profissionais, têm dado respostas cabais à sucessão de reveses que têm sofrido. Isto, com um efeito perverso e paradoxal: a qualidade da escola pública tem vindo, inegavelmente, a melhorar, o que provocará a convicção de que o caminho que nos é imposto é o adequado. Mas a verdade é que esta melhoria se tem verificado à custa de uma sobrecarga de trabalho, já a raiar o humanamente aceitável. E, como é bom de ver, esta situação tem um preço, que acabará por ser pago, e um limite que cedo se atingirá.
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