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As árvores que não morrem de pé

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As árvores que não morrem de pé

Voz aos Escritores

2019-09-20 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

AAmazónia é a minha terra, o berço das tribos índias, a floresta tropical onde nascemos, crescemos e nos multiplicamos, a terra quente e húmida que nos cobre quando morremos. Este mar verde existe há cinquenta e cinco milhões de anos, um mar que nos dá guarida, nos alimenta e protege. Do Pico da Neblina, o ponto mais alto da floresta, avisto este oceano que se estende por mais de cinco milhões de quilómetros quadrados, espraio o olhar pela vastidão clorofilina, inspiro a pureza do ar e inebrio-me de Liberdade.
A Amazónia é a minha terra, uma terra imensa de riquezas mil, cobiçada pela ganância desmedida dos homens que a conspurcam, rasgam-lhe o verde e vestem-na de cinza. A floresta está de luto. A floresta foi violada, desflorada, vasculhada. O estupro persiste. A cada dia vemos o avanço da destruição. A cada ano são devastados milhares de quilómetros quadrados. Em Agosto de 2019, a Amazónia perdeu o equivalente a 4,2 milhões de campos de futebol, quatro vezes mais do que em Agosto de 2018. Os incêndios dobraram. Na floresta, as árvores já não morrem de pé.
A Amazónia é a minha terra, uma fonte de fortuna procurada pelos madeireiros, mineiros e produtores de gado que a incendeiam e nela cultivam o pasto e a soja. Os preços elevados da madeira e da carne atiçam a gula da máfia violenta e das redes criminosas. Após abaterem as árvores, os malfeitores retiram a madeira e atiçam as queimadas que se espalham pelas pequenas clareiras e ramais abertos pelos madeireiros, onde a vegetação é mais seca e inflamável. O fogo baila ao sabor do vento, estende-se, contorce-se, lambe a floresta, engole-a em labaredas infernais. As árvores crepitam, gemem a dor, inflamam-se, tombam calcinadas, impotentes, feridas nas raízes, nos troncos, nos ramos, na dignidade. Na floresta, as árvores já não morrem de pé.
Nós, os membros da tribo Mura, pintamos os corpos de tinta rubra. Armamo-nos de longos arcos e de paus. Defendemos as árvores, a fauna e a flora, as castanheiras-do-brasil que nos alimentam. Combatemos os inimigos dos animais e das árvores. A floresta está a morrer, assassinada, como nós, tombados na terra que nos deu a vida, baleados pelas armas mortíferas dos gananciosos, homens ocos de escrúpulos, enfartados de avidez.
O clima altera-se. A Terra perece numa morte anunciada, uma morte lenta, agonizada.
Os invasores destroem as aldeias. Tingem o mar verde de vermelho. Esfaqueiam os indígenas. Matam-nos, sedentos da cor, do cheiro, do poder do dinheiro. Somos os guardiões da floresta. Por ela vagueamos, refugiando-nos de aldeia em aldeia, acoitando-nos sob as copas das árvores que veneramos. Sabemos que lutamos contra gigantes, contra incongruentes governos legitimados. Pelejamos numa batalha desigual, contra leis injustas e absurdas medidas institucionais, contra a desprotecção, a retórica, a impunidade, a desolação. Defrontamos as manifestações amarelas e verdes, as cores do Brasil, que se arrogam a propriedade da Amazónia.
Lutaremos pela floresta até à derradeira gota de sangue. Atacar os nativos e a Amazónia é atacar os pulmões da Terra e o coração do planeta. Gritamos. Gritamos ao Mundo para que ouça a voz dos povos indígenas ameaçados pelo agronegócio, a hidroeletricidade, o desmatamento e a indústria mineira. Não queremos ser integrados numa sociedade que não respeita os costumes, a condição humana, os recursos ambientais, a vida, a terra e os animais. Não queremos as maravilhas da modernidade, nem os absurdos ideais.
Queremos ser nós. Queremos a Paz. Queremos a Natureza. Queremos o amanhã.
A Amazónia é minha, é do Brasil, da Bolívia, da Colômbia, do Equador, da Guiana, da Guiana Francesa, do Peru, do Suriname e da Venezuela.
A Amazónia é do Mundo. A Amazónia é a Humanidade.
Para haver vida na Terra, as árvores terão de morrer de pé.
“Porque os céus se desfarão como fumo e a Terra se gastará como um vestido, e os seus habitantes, como estas coisas, perecerão” Isaías, 51:6

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