A responsabilidade de todos
Correio
2012-06-28 às 06h00
Paulo Rodrigues
O relógio marcava quase 15h30 de uma segunda-feira solarenga de finais de maio. Dirigi-me, com alguma pressa, até à Junta de Freguesia, com os papéis prontos na mão, esperançoso de poder despachar o assunto com celeridade.
À chegada, apercebi-me que, afinal, talvez ainda fosse demorar algum tempo, pois umas sete ou oito pessoas aguardavam, com ar impaciente, a sua vez para serem atendidas. Nas suas mãos, também papéis, uns dobrados, acabados de sair do bolso das calças, outros muito bem conservados em micas de plástico transparentes.
Entrei com um tímido “Boa tarde” e fui até um canto da sala de espera. Com uma olhadela discreta e rápida, confirmei que havia sete pessoas à minha frente na ordem de atendimento. Deduzi que ninguém se conhecia, pois o silêncio enchia o espaço. De vez em quando, alguém arriscava um queixume para o lado “Isto hoje não se despacham…” e a resposta vinha logo de supetão, afiada, “se calhar foram fazer mais uma pausa para café…”.
Finalmente, de um dos escritórios, saiu um funcionário com ar despreocupado e, junto à porta, perguntou: “Há aqui alguém que não esteja para a apresentação quinzenal?”. Senti-me a corar quando me apercebi que aquele “alguém” era apenas eu. Hesitante, levantei o braço. O senhor fez sinal para que o seguisse. Naqueles breves segundos, pares de olhos miraram-me como se eu fosse uma ave rara. E, na verdade, era. Parecia quase um atrevimento eu estar ali por outra razão que não fosse essa espécie de “termo de identidade e residência” para desempregados. Parecia quase um ultraje eu não ser um desempregado.
Resolvida a minha situação, despedi-me do funcionário e atravessei a sala de espera, sorrindo levemente como que a pedir desculpa por ter passado à frente, embora sem culpa, de todos os que já lá se encontravam antes de mim. No fundo, pedia desculpa por não ser um deles, pedia desculpa por não ter de voltar dali a quinze dias, pedia desculpa por ter um emprego.
Chegado à rua, debaixo do sol, voltei a sentir-me normal. De qualquer forma, a experiência que acabara de ter deixara em mim uma mistura de sentimentos: tristeza, por saber que aquela era uma realidade cada vez mais frequente; satisfação por não fazer parte dessa mesma realidade; incerteza sobre se, no futuro, eu também não viria a estar novamente naquela Junta, dessa vez sendo igual entre os restantes e despedindo-me com um “Até daqui a 15 dias…”
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